“Girl, Woman, Other” – Bernardine Evaristo
Girl, Woman, Other é um conjunto de histórias de doze mulheres, de origens variadas e idades diversas, cujo denominador comum é o fardo da discriminação que carregam.
Amma é uma diretora de teatro excêntrica que teve de mostrar ao mundo que a cor da sua pele não a limitava ao papel de escrava que lhe atribuíam em peças teatrais.
Yazz, filha de Amma, é uma rapariga de dezanove anos com uma consciência aguda da diversidade que a rodeia e da incompreensão das gerações mais velhas face ao racismo e ao sexismo sistémicos.
Dominique é a filha de um nigeriano e de uma mulher de meia-casta que se apaixonou por uma feminista radical e se viu encurralada numa relação tóxica longe de casa.
Carole é uma trabalhadora de um banco que esconde o trauma de uma violação coletiva que sofreu quando tinha apenas treze anos.
Bummi, a mãe de Carol, é uma mulher das limpezas que carrega o peso da desconsideração daqueles que a veem apenas como tal, e não como a licenciada em matemática com uma determinação de ferro que ela realmente é.
LaTisha é uma trabalhadora de supermercado que viu a sua liberdade estreitar-se pelo nascimento dos seus três filhos quando tinha ainda menos de vinte anos.
Shirley é uma professora na Peckham School for Boys and Girls, cuja ambição e entusiasmo vão esmorecendo à medida que o sistema de ensino muda, o comportamento dos alunos se degrada e a violência racista e o assédio sexual aumentam sem remédio.
Winsome, a mãe de Shirley, é uma camionista reformada que largou tudo para ajudar o seu marido a perseguir o sonho de ser um pescador.
Penelope, colega de Shirley, é uma mulher firme que se vê a braços com um casamento infeliz com um homem chauvinista que se recusa a deixá-la voltar ao trabalho, pois uma mulher não devia obedecer a mais do que um homem.
Morgan é um indivíduo não-binário negro criado por pais que lhe exigiam que agisse de acordo com os convencionais papéis de género, que descobriu através de pesquisas e fóruns online o vasto leque de géneros e orientações sexuais e que se tornou um ativista.
Hattie, a avó de Morgan, é uma senhora viúva que conheceu o seu falecido marido num baile para os regimentos de negros americanos, mobilizados para Inglaterra na Primeira Guerra Mundial, e que entristece ao ver o comportamento vergonhoso dos seus descendentes no jantar de Natal.
Grace, por fim, a mãe de Hattie, nasceu quando a sua mãe tinha dezasseis anos e nunca descobriu quem era o seu pai.
Este livro é fabuloso em todos os seus aspetos. Em primeiro lugar, a plasticidade do ponto de vista da autora é incrível. Cada mulher retratada nestas histórias enfrenta dilemas distintos, sendo que cada um deles é retratado de uma forma extraordinariamente autêntica. Através destas histórias, é apresentada ao leitor a verdadeira realidade da interseccionalidade, isto é, o facto de que, apesar de a discriminação ser um problema geral, algumas pessoas são mais discriminadas pelo facto de a sua identidade congregar várias características sujeitas ao desprezo sistémico da sociedade. Uma das personagens, por exemplo, é simultaneamente mulher, muçulmana, negra, africana e usa um hijab.
Apesar de cada personagem pertencer a um tempo e a uma história diferentes, todas elas se interligam numa teia de eventos, encontros e relações familiares. No final, compreendemos que a discriminação é uma realidade vivida tanto por aqueles que nos são mais próximos como por um estranho que vemos a atravessar a rua. Por essa razão, devemos sempre pensar duas vezes antes de julgar alguém pelo que as normas da sociedade estabelecem. Como se uma lição de moral não bastasse, há ainda um plot twist!
Também o estilo adotado pela autora eleva este livro a algo especial: uma subversão das regras de pontuação com a supressão de pontos finais, de exclamação e de interrogação, o semear de parágrafos que conferem ritmo à leitura e um destaque particular a determinadas palavras e expressões.
Em conclusão, penso que a leitura deste livro é essencial para compreendermos melhor o mundo e para semear a tolerância numa sociedade tão diversa, mas tão egoísta e intolerante, como a dos nossos dias.
“how on earth can you be a Professor of Modern Life when your terms of reference are all male, and actually all white”
“privilege is about context and circumstance”
“gender’s a social construction, most of us are born male or female but the concepts of masculinity and femininity are society’s inventions”