Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

H-orizontes

H-orizontes

05
Ago24

“The Late Mattia Pascal” – Luigi Pirandello

Helena

transferir.jpeg

The Late Mattia Pascal, editado em Portugal em junho deste ano pela Relógio d’Água, sob o título O falecido Mattia Pascal, é um romance sobre um homem que morre duas vezes, nenhuma delas correspondendo à morte convencionalmente conhecida. De facto, Mattia Pascal, um homem infeliz, casado com a mulher cobiçada pelo seu melhor amigo na sua infância, azucrinado pela sogra, arrasado pela morte da sua mãe, seguida da das suas duas filhas, fica tão surpreendido como qualquer habitante de Miragno quando encontra, no jornal, durante uma ausência prolongada, a notícia do seu suicídio.

Interpretando a identificação errada do cadáver como um estratagema da sua esposa para se livrar de si, Mattia decide aproveitar o seu estatuto de (teoricamente) morto para iniciar uma nova vida, sem amarras nem preocupações. Pouco a pouco, Mattia constrói e consolida uma nova identidade, a de Andrea Meis, com um passado diferente do seu e, se tudo corresse bem, também um futuro diferente. Contudo, a sua ilusão de liberdade não dura muito, já que depressa se apercebe de que a sua condição o impede de realizar a maior parte das ações que as pessoas vivas tomam como garantidas: adotar um cão, ou procurar apoio das autoridades após ter sido vítima de um furto. Chegado a Roma, hospedado em casa de uma família e apaixonado pela filha do patriarca, manter a integridade da sua nova persona torna-se cada vez mais difícil.

“A deep, painful pity came over me, pity for her and for me, a cruel pity which drove me inexorably to caress her, to caress in her my own pain, which could only find comfort in her, even though she was its cause.”

Pouco antes de iniciar a leitura deste livro, que me foi recomendada por amigos, deparei-me com a informação de que Pirandello, nobel da literatura, era célebre pelo seu trabalho enquanto dramaturgo. Isto fez-me recear que tivesse escolhido a ponta do novelo errada para começar a explorar a sua bibliografia. No entanto, não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, a minha leitura de The Late Mattia Pascal foi muito agradável e divertida.

Desde o princípio, o estilo de Pirandello transmitiu-me uma sensação de familiaridade pela sua proximidade ao de Machado de Assis. Isto pode parecer contraditório, já que eu gostei muito deste livro, mas não gostei da minha experiência com o Dom Casmurro de Machado, por este último levar o chamado “derrubar da quarta parede” a um ponto que, a meu ver, é exagerado. Ao tecer comentários direcionados ao leitor, sem que estes se intrometam na relevância da narrativa (ficou-me na memória para a eternidade o excerto em que Machado reconhece que não devia ter escrito o capítulo que o antecedia), Pirandello fez-me rir e sorrir, uma e outra vez, e estabelecer uma afinidade genuína pela voz narrativa.

Fiquei um pouco desapontada com o rumo que a história tomou após a chegada de Mattia a Roma, mas o momentum narrativo que me carregou ao longo do início e do fim do livro acabaram por compensar a estagnação do meu entusiasmo a meio. Isto trata-se, claro, de uma reação completamente subjetiva. Recomendo este livro, tal como me foi recomendado, como uma obra que orbita os conceitos de identidade e de máscara, refletindo acerca da forma como somos condicionados por uma história que nos antecede, quer para nos relacionarmos com os outros, como para estarmos em paz com a identidade que associamos a nós próprios. Parece-me apropriado que a esta leitura se siga a do machadiano As Memórias Póstumas de Brás Cubas.

 

04
Dez22

“The Bell Jar” – Sylvia Plath

Helena

6514._SY475_.jpg

Esta narrativa acompanha a espiral descendente da saúde mental de Esther Greenwood, uma aluna excecional que passa um mês em Nova Iorque, a trabalhar numa revista de moda como prémio de uma bolsa. Em Nova Iorque, Esther é confrontada com um mundo complexo de convenções sociais, eventos superficiais e várias maneiras de encarar a feminilidade e a sexualidade. Quando regressa a casa, com a cabeça repleta de hipóteses relativamente a um futuro que parece cada vez mais difícil de escolher, Esther fica a saber que não foi aceite no programa de escrita que, enquanto aspirante a poetisa, tanto almejava frequentar. Presa nos seus próprios pensamentos e angústias, a protagonista deste romance começa a percorrer círculos mentais autodestrutivos, cujas consequências a levarão a internamentos sucessivos em várias instituições psiquiátricas.

“it wouldn’t have made one scrap of a difference to me, because wherever I sat – on the deck of a ship or at a street café in Paris or Bangkok – I would be sitting under the same glass bell jar, stewing on my own sour air.”

Comecei a ler este livro por sugestão da minha professora de Inglês e devorei-o numa semana. The Bell Jar, um romance em que a ficção e o registo autobiográfico se misturam, foi carimbado por Sylvia Plath com o sentimento de angústia de alguém que vive preso na sua doença mental. Assim sendo, a leitura deste livro não é recomendável aos leitores que não se encontrem num estado mental equilibrado, ou que sejam sensíveis a episódios de depressão, violência, tentativas de suicídio e linguagem racista própria do enquadramento ideológico da época.

Há quem classifique The Bell Jar como uma versão feminina de The Catcher in the Rye, mas The Bell Jar é muito mais do que a história de uma rapariga revoltada com a sociedade e com o processo tão exigente que é crescer. Esther Greenwood não só batalha contra um mundo que a obriga a afunilar o espectro de objetivos que se imagina a alcançar, mas também contra o ideal feminino dos anos 50 (“The trouble was, I hated the idea of serving men in any way.”), contra os estigmas da virgindade e da contraceção, contra os preconceitos em relação às doenças mentais e contra a persistência do seu corpo em continuar a viver.

É impossível separar o percurso de vida da personagem principal deste romance da vida da sua autora, uma mulher extremamente inteligente a quem nem os internamentos nem os tratamentos de eletrochoques conseguiram manter a salvo do suicídio, um mês após a publicação de The Bell Jar. Da mesma forma, é impossível separá-lo da época em que se insere, os anos 50 do século passado, retratados através das notícias nos jornais (a execução dos Rosenberg), da comida e das relações interpessoais. Assim sendo, este livro não deve ser posto de parte por apresentar uma visão preconceituosa e discriminatória das comunidades negra e homossexual, que devem ser entendidas como fruto da cultura racista e intolerante dos Estados Unidos na década que antecedeu a luta pelos direitos civis.

Não tenho palavras para descrever o quanto este livro me cativou, impressionou e perturbou do início ao fim. Vão ter de ler e sentir por vocês!

“I took a deep breath and listened to the old brag of my heart.

I am, I am, I am.”

10
Mai22

“O Clube dos Suicidas” – Robert Louis Stevenson

Helena

WhatsApp Image 2022-05-10 at 20.03.03.jpeg

Estes três contos interrelacionados apresentam-nos a perturbadora aventura de um príncipe libertino e do seu cúmplice, na Londres do século XIX. Numa das noites em que saiu às escondidas do seu palácio para uma noite de diversão com o Coronel Geraldine, o príncipe Florizel encontra num bar uma figura bizarra que o levará ao serão mais estranho da sua vida. Um rapaz vendia pastéis de nata, afirmando ser a última vez que o faria, não por ter sido despedido, mas porque pretendia acabar com a própria vida nessa mesma noite. Face à surpresa dos homens do palácio, o rapaz revela-lhes a sociedade que lhe possibilitará o cumprimento da sua vontade, sem que ele tenha de se responsabilizar pelo fim da sua existência: o clube dos suicidas.

Este clube consistia numa reunião de homens desesperados por acabar com a sua vida, que se sentavam à volta de uma grande mesa enquanto o presidente do clube distribuía cartas. Quem ficasse com o ás de espadas morreria, e o assassino seria aquele que recebesse o ás de paus. Fascinado e horrorizado simultaneamente por este conceito, o príncipe Florizel convence o seu amigo a juntar-se com ele ao clube dos suicidas.

Até que ponto poderá o príncipe confiar na sua sorte? E conseguirá o presidente do clube dos suicidas manter-se imune às consequências da liderança de uma organização com fins tão terríveis?

Encontrei este livro por acaso, enquanto procurava outro livro de Stevenson, e a sua sinopse cativou-me de imediato. É tão original que, assim que encontrei o livro, comecei a lê-lo. Como é curto e pouco denso, demorei pouco tempo a chegar ao fim da história. No entanto, muito acontece ao longo deste pequeno número de páginas, e tive de voltar ao início para conseguir ligar alguns fios do mistério.

Esta edição da Bookcover Editora não é, de longe, tão boa como a de Madame Bovary. Apesar de ser muito mais curto, este livro apresenta mais gralhas e menos rigor na sua tradução. Mesmo assim, não foi impeditivo para a compreensão e fruição do texto.

Apesar de não ser um livro fascinante, O clube dos suicidas prendeu-me do início ao fim pela originalidade do seu enredo e pelos sucessivos plot-twists da ação.  Assim sendo, recomendo este tesourinho a todos os que precisarem de uma leitura curta para escapar ao “rame-rame” do quotidiano.

Mais sobre mim

Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

Pesquisar

Bem vindo

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.