“A Letra Escarlate” – Nathaliel Hawthorne
Na Boston puritana do século XVII, uma mulher sobe ao cadafalso com uma criança nos braços. Sobre o seu peito, sobressai a letra A bordada a vermelho. Hester Pryne, a mulher no cadafalso, foi condenada a usar a letra escarlate no seio e, em consequência, ao opróbrio da sociedade, por ter cometido o pecado do adultério. Recusando-se a revelar o homem que teria sido cúmplice da sua perversão, Hester entrega-se a uma vida isolada dos olhares de desdém dos seus vizinhos.
À situação difícil que o pecado de Hester a tinha votado junta-se a chegada do seu marido, que ficara em Inglaterra quando ela partira para o Novo Mundo e que ela já julgava morto. Desonrado pelo adultério de Hester, o seu marido adota outro nome (Roger Chillingworth), oculta o seu casamento e faz com ela uma chantagem emocional – se ela revelasse a sua verdadeira identidade, ele revelaria a do seu cúmplice pecador.
Inicia-se, assim, uma vida de tormento para Hester Pryne: malvista pelos seus pares, questionada pela sua filha acerca da letra que traz ao peito e obrigada a testemunhar a angústia crescente do homem que com ela pecou – motivada, grandemente, pelo pérfido Roger Chillingworth...
“Não há estrada por onde saiamos deste triste labirinto.”
Este é um livro sobre o pecado, em particular sobre a demonização de que são vítimas aqueles acusados de pecar. Hester Pryne, pecadora por se ter deixado levar por uma afeição externa ao seu casamento, vê-se obrigada a passar o resto da sua vida isolada num casebre afastado do centro de Boston, sem se relacionar com os restantes habitantes e condenando à mesma vida triste a filha que resultou da união adúltera. Sabemos que Hester é uma mulher dotada, hábil na costura, humilde e sempre disponível para apoiar aqueles que precisam. Apesar disso, o seu caráter é demonizado pelos habitantes conservadores da aldeia, puritanos vindos da Europa para construir uma sociedade adequada aos seus valores do outro lado do Atlântico. Assim, A Letra Escarlate é não só um relato pungente da vida de uma pecadora no seio de uma comunidade de religiosidade extrema, como uma crítica à mentalidade puritana contraditória que fez da vida de Hester Pryne uma estrada de solidão e desconsolo. Saídos do Reino Unido em busca de um ambiente mais tolerante para poderem praticar a sua fé, os puritanos acabaram por se tornar uma comunidade intolerante, sendo Hester uma vítima da rigidez dos códigos morais e religiosos por que se regiam.
A tradução desta edição d’A Letra Escarlate (Relógio d’Água, 2017) foi feita por Fernando Pessoa, e não tenho nada a apontar nela. Apesar de não ter lido a versão original deste livro, já li alguns contos de Hawthorne em inglês, pelo que me parece que a cadência da narração e o leque de vocabulário escolhidos coincidirão com aquilo que o autor pretendia concretizar na versão inglesa. Tendo gostado do enredo e apreciado a qualidade da tradução, foi o estilo da narração que acabou por não me cativar e que fez com que a minha impressão geral do livro não fosse a mais positiva. Ainda não encontrei o livro de um autor romântico que me vai fazer começar a deleitar-me com este género.
Posto isto, enquanto clássico das literaturas americana e mundial, A Letra Escarlate é um livro que vale a pena acrescentar à biblioteca pessoal de qualquer um. É especialmente interessante enquanto leitura complementar d’As bruxas de Salem, de Miller, cuja ação decorre no mesmo período, no coração de uma povoação dominada pelo mesmo espartilho puritano que serve de pilar a este romance.