“Breasts and Eggs” – Mieko Kawakami
Este livro está dividido em duas partes: na primeira, Natsuko, a personagem principal, recebe a sua irmã, Makiko, e a sua sobrinha, Midoriko, em sua casa, em Tóquio. Para além de a dinâmica entre Makiko e Midoriko estar nitidamente em crise, já que Midoriko se recusa a dirigir qualquer palavra à progenitora, Makiko vive obcecada com o seu corpo imperfeito e com os implantes mamários que tenciona fazer num futuro próximo. Na segunda parte, anos depois, Natsuko é já uma autora publicada, numa crise de inspiração para o seu próximo livro, e desejosa de completar a sua vida com a presença de um filho. Mas Natsuko é uma mulher solteira, pelo que teria de recorrer à inseminação artificial e a um dador de sémen, e ter um filho nessas circunstâncias ainda é um fenómeno rodeado de estigma na sociedade japonesa. Como se isso não bastasse, a sua investigação em relação ao processo de doação leva-a a entrar em contacto com uma comunidade de pessoas unidas pela sua condição de filhos gerados por intervenção externa. As histórias de vida de algumas das testemunhas, as conversas com aqueles que a rodeiam e a pesquisa que aprofunda fazem-na pensar e repensar a validade dos seus desejos. Afinal, a ninguém foi pedida permissão para nascer…
Breasts and Eggs traz para cima da mesa tópicos de discussão muito pertinentes acerca do lugar do corpo da mulher na sociedade, especialmente na japonesa. A ansiedade de Makiko ao querer corresponder a um ideal que não consegue atingir sem intervenções estéticas, a perturbação de Midoriko face às mudanças que o seu corpo, e o das suas colegas, atravessa na puberdade, e a consciência de Natsuko da reprovação geral de que seria alvo uma grávida solteira são alguns dos problemas que poderiam derivar, num debate, em trocas de ideias acerca dos fatores socioeconómicos que podem estar envolvidos no recurso a cirurgias plásticas, da procura de um sentimento de pertença num corpo que nos é estranho, e da (as)sexualidade da mulher. Nesse sentido, este é um livro provocador no âmbito do feminismo, da crítica social, da exposição da precariedade económica e da educação sexual. Põe, ainda, em causa a moralidade da escolha de ter filhos, por todo o sofrimento não-autorizado a que se sujeita o fruto da vontade egoísta dos progenitores.
Apesar de reconhecer o interesse que reside no tratamento literário dos temas referidos acima, Breasts and Eggs acabou por não ser concretizado da maneira que eu consideraria mais lógica e coerente. Isto deve-se ao facto de a primeira parte parecer um projeto de uma história quase totalmente independente da segunda parte do romance. O tópico da insatisfação de uma mulher com o seu próprio corpo, inspirada pelos ideais irrealistas que absorveu da sociedade, é circunscrito à primeira parte, assim como as entradas (interessantes e ricas) do diário de Midoriko, em que ela se debate com o seu processo de crescimento. Em comparação com esta primeira secção, a segunda ficou aquém daquilo que gostava que tivesse sido. Longas conversas sobre a maternidade e acontecimentos sem grande importância para a questão central da ação preenchem o espaço que podia ter sido preenchido com peripécias mais relevantes, ou simplesmente eliminado. “Breasts”, em suma, era uma linha narrativa mais promissora e cativante do que “Eggs” se revelou.
Assim, apesar de ter sido uma leitura fácil e fluida, com reflexões interessantes sobre a relação de uma mulher com o seu próprio corpo e a ética da maternidade, Breasts ans Eggs não me deixou fascinada. Pode ser que outro livro de Kawakami me conquiste.