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H-orizontes

H-orizontes

14
Jan24

“A Inquisição – O Reino do Medo” – Toby Green

Helena

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Em A Inquisição – O Reino do Medo, Toby Green abarca os três séculos de atividade da Santa Inquisição na Península Ibérica e nos seus territórios coloniais em África, na América e na Ásia. Através da explicação das áreas de influência da Inquisição ao longo do tempo, juntamente com a exemplificação de casos particulares de perseguição ou perversão, Green propõe-se deixar para o futuro um lembrete do que o domínio do medo e da paranoia pode causar numa sociedade. Este fenómeno de fachada religiosa, cujos objetivos eram, na verdade, políticos e económicos, utilizava retóricas de fácil desconstrução para apelar a comportamentos diametralmente opostos àqueles que são pregados pela própria religião: a discriminação, a desconfiança e o ódio pelo próximo.

O foco primário de Green são os acontecimentos relativos à Inquisição Espanhola, já que se fundou primeiro e foi abolida mais tarde do que a portuguesa, e que registou um maior leque de alvos de perseguição do que a portuguesa. Judeus, cristãos-novos, feiticeiras, sodomitas, bígamos, mouriscos e maçons são alguns dos rótulos atribuídos às vítimas de uma necessidade coletiva de culpabilização externa e de união face a um inimigo comum, numa Espanha de território recém-unificado.

Ao longo de 300 páginas, assistimos à queda em cadeia de gerações no precipício do preconceito e do conservadorismo, aos resultados pouco ortodoxos da repressão de instintos básicos da população e à evolução e aprofundamento de uma mentalidade que levou, em última instância, ao derrubamento dos impérios ibéricos e da própria instituição.

“A atitude genérica em relação ao acusado era resumida por Eymeric ao declarar a morte na câmara de tortura uma forma de bruxaria rancorosa destinada a frustrar o inquisidor”

Este livro cumpriu com aquilo que eu esperava dele. Pude não só aprofundar os meus conhecimentos acerca do processo de instalação da Inquisição em Portugal e em Espanha e das motivações socioeconómicas da perseguição aos judeus, mas também aprender que os acusados mortos ou fugidos eram queimados em efígie, que existiam casos bizarros de beatas e exorcistas, e que não era preciso uma justificação fundamentada para todo um novo bode expiatório começar a ser perseguido (fossem mouriscos, bígamos, feiticeiras ou maçons).

Mais do que um livro que descreve a forma como as raízes da Inquisição grassaram em solo peninsular enquanto instituição persecutória de minorias em nome da pureza, segurança ou sacralidade de um povo, este é um livro sobre a sede de poder. Desde a afirmação do poder através do medo irracional e permanente aos abusos de poder por parte de inquisidores, familiares da Inquisição e confessores, este corruptor da sociedade encontrava-se na base do estabelecimento de relações sociais em solo ibérico e colonial. O que me pareceu mais interessante e de maior relevo em relação a este fenómeno foi a forma como o comportamento dos judeus fugidos para as colónias se alterava no seu destino: chegados a uma terra em que os alvos da perseguição eram outros (os escravos e os indígenas), os anteriores oprimidos assumiam rapidamente o papel de opressores. A crueza de caráter que atravessa as histórias compiladas neste volume põem à prova a fé do leitor na bondade humana.

Os únicos aspetos negativos que tenho a apontar a este livro são o facto de partir de um projeto tão ambicioso que impede que se siga uma linha cronológica sem avanços e recuos, e a qualidade da tradução, que apresenta algumas gralhas e erros, questões que podem interferir com uma leitura fluida.

Em suma, apesar dos ziguezagues da linha temporal (necessários para abarcar todas as facetas da instituição que o autor se propôs explorar), este é um livro que recomendaria aos interessados por História europeia, particularmente pelo período (demasiado longo) em que a Inquisição vigorou na Península Ibérica. Não é uma leitura reconfortante, mas apenas sendo confrontados com a realidade mais desagradável do nosso passado podemos compreender o presente e preparar o futuro.

27
Jun23

“Levantado do Chão” – José Saramago

Helena

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Com uma ação situada no seio do Alentejo, durante a ditadura salazarista, Levantado do Chão acompanha a jornada de quatro gerações de trabalhadores rurais e as suas lutas sucessivas pela conquista de direitos laborais.

Ao longo de 290 páginas, a família Mau-Tempo debate-se com os ciclos de miséria e exploração que parecem inexpugnáveis nos latifúndios alentejanos que assentam, tal como a ditadura em vigor, numa hierarquia rígida e impermeável a considerações de misericórdia em relação aos subordinados. Assim, os Mau-Tempo e os que os rodeiam lutam cada dia pela sobrevivência a mais um ano de escassez e de jornadas de trabalho desumanas. Abafadas as revoltas pela PIDE, pela guarda, pela influência da religião, resultando delas mortos, presos, feridos, o povo não desiste da esperança na madrugada que há de vir e dar a conhecer aos trabalhadores o significado da palavra liberdade.

“e todo o mais deste destino está explicado nas linhas de ir e voltar”

Este é um daqueles livros que terei de reler mais tarde, numa altura, quem sabe, mais propícia à apreciação de todas as suas potencialidades. Esta experiência de primeira leitura não foi muito boa, por uma série de razões.

Em primeiro lugar, fui interrompendo esta leitura com outros livros que precisava de ler para outros trabalhos, e isso afetou bastante a fluidez da narrativa. Como se trata de um romance sobre gerações, é fácil que o leitor se perca entre os nomes e as relações entre as personagens, principalmente se não fizer uma leitura consistente e atenta (como foi o meu caso).

Em segundo lugar, a história não me cativou muito, exceto pelo facto de remontar a um contexto espácio-temporal que me interessa particularmente. Os ciclos repetitivos, apesar de intencionais, pareceram-me demasiado repetitivos, ao ponto de tornar a narrativa aborrecida e previsível.

Para além disso, nenhuma personagem me marcou muito por ser muito diferente das outras. É de realçar o episódio da tortura de António Mau-Tempo enquanto testemunho dos mecanismos de repressão do regime salazarista, mas, ainda assim, o seu propósito de vida era o mesmo que o de todas as outras personagens, e a sua trajetória na narrativa bastante linear.

No entanto, reconheço que esta é uma obra fundamental para o aprofundamento da compreensão da vivência dos trabalhadores agrícolas do período salazarista, e para que se recordem as múltiplas e terríveis armadilhas do fascismo. É, ainda, o romance inaugural do estilo saramaguiano, pautado pela fluidez do discurso intercalado com reparos mais ou menos subjetivos por parte do narrador.

Em suma, este não é um romance célebre pelas suas personagens extraordinárias e reviravoltas na ação, mas pela maneira como captura, como que pelos olhos de muitas pequenas formigas, a forma como a soma do sofrimento das gerações que tentaram “levantar-se do chão” possibilitou que, eventualmente, uma delas pudesse usufruir do poder de trabalhar digna e livremente.

09
Nov22

“Que Importa a Fúria do Mar” – Ana Margarida de Carvalho

Helena

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Que Importa a Fúria do Mar, publicado pela primeira vez em 2013, foi obra finalista do Prémio LeYa em 2012 e venceu, por unanimidade, o Grande Prémio de Romance e Novela APE-DGLAB de 2013.

Eugénia, jornalista ambiciosa permanentemente remetida para os programas a que ninguém presta atenção, depara-se com mais um trabalho que não a fascina nem atrai: entrevistar um idoso sobrevivente do campo de concentração do Tarrafal. “Veio parar a túmulo bafiento. A um viveiro de ácaros, camadas geológicas de ácaros, moscas e cogumelos das infiltrações.” Aquilo que Eugénia não espera é que Joaquim da Cruz, um homem apanhado no lugar errado à hora errada, na revolta comunista da Marinha Grande de janeiro de 1934, desperte nela um fascínio que a fará regressar, uma e outra vez, à casa de Joaquim e às suas palavras esparsas e vagarosas.

Assim, de entre a repressão de um regime ditatorial, a jornalista vê surgir uma história de amor entre um homem condenado e uma mulher que lhe prometeu uma espera eterna. “O Tarrafal? Mas isso é uma história de amor…”

“Querida irmã, há tantas coisas bonitas que ainda não há.”

Neste romance, Ana Margarida de Carvalho dá voz às vítimas do regime salazarista que a repressão política e intelectual enviou para os horrores do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. No entanto, Que Importa a Fúria do Mar ultrapassa os tormentos dos injustamente condenados à violência e à exploração, abrangendo também as consequências das infâncias atribuladas, o poder das paixões e o impacto que pequenos acasos podem ter numa vida inteira.

As páginas deste romance transbordam de referências intertextuais, como a Fernando Pessoa, aos seus heterónimos e a Bob Dylan. Num fluxo de consciência entretecido com a narrativa, formas de expressão populares e eruditas formam uma teia rica de linguagem e estilo que fazem deste livro uma viagem pelas heranças cultural e literária portuguesas.

Esta narrativa contraria o sentido comum do mar para os artistas e os poetas: um meio de evasão e libertação, cheio de oportunidades e de vida. Que Importa a Fúria do Mar apresenta o mar como algo que reprime e aprisiona os homens. Uma sensação de claustrofobia atravessa a obra através do paralelo entre o mar que impossibilita a fuga dos prisioneiros no Tarrafal e o mar que atemoriza a infância da narradora, encerrada no quarto das traseiras da casa dos tios, onde a mãe a deixara antes de prosseguir a sua vida.

Que Importa a Fúria do Mar é um livro para ler e reler, um exemplo de como a literatura é o resultado da conjugação de influências antigas e técnicas narrativas novas, desafiando os leitores a voltar ao passado, ainda que com os pés bem assentes no presente.

“A mim, o não-sentido da poesia basta-me.”

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