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H-orizontes

H-orizontes

04
Ago25

"Down and Out in Paris and London" - George Orwell

Publicado pela primeira vez em 1933, Down and Out in Paris and London foi o livro que introduziu George Orwell – antes disso, simplesmente Eric Blair - na paisagem literária europeia. Este relato autobiográfico, que não teria vindo a existir sem a recusa terminante e orgulhosa de Orwell do futuro que os anos em Eton tinham delineado para si, é evidentemente o dealbar daquilo que seria a sua principal vocação. A sua temporada miserável em Paris e em Londres, tal como período que passara na Birmânia enquanto polícia imperial, a sua participação na Guerra Civil Espanhola e o trabalho que viria a ter na BBC fariam de George Orwell um homem dedicado à denúncia de verdades incómodas e da manipulação política das narrativas históricas. Talvez motivado pelo combate a esta última, ele próprio escreve sobre aquilo que julga não poder ser ignorado.

Provando que um acaso é quanto basta para que se mergulhe na pobreza, um furto deixa Orwell sem dinheiro, em Paris, e leva à sua incursão no universo da quase-mendicidade: penhora os seus bens, alimenta-se à base de pão e procura trabalho, durante muito tempo, em vão. Juntamente com Boris (um antigo empregado de mesa russo), acaba por encontrar um emprego como plongeur num hotel. Essa experiência é material para uma reflexão sobre o trabalho precário enquanto ciclo de exploração aparentemente infinito. Mantendo os trabalhadores no limite da exaustão, ocupando a maior parte do seu tempo e pagando apenas o suficiente para que a vida naquelas precisas condições seja possível, não resta energia, ocasião ou margem de risco para se procurar uma alternativa.

Uma oferta de emprego como tutor em Londres resgata Orwell desta espiral de exploração –  antes de o lançar para uma nova temporada de miséria. Em solo inglês, é informado de que não poderá começar a trabalhar de imediato. Seguem-se semanas de dormidas em albergues fétidos, barulhentos e atulhados, de torradas com chá (muitas vezes, graças à caridade religiosa) e de contacto com homens em circunstâncias semelhantes à dele. Destaca-se Bozo, que faz pinturas no chão para ganhar dinheiro. Sujeito ao clima chuvoso de Londres e às repreensões das autoridades, encontra beleza nas estrelas do céu e sustento nos seus pensamentos. Orwell nota que a mendicidade é, invariavelmente, muito mais custosa para aqueles que não beneficiaram de uma educação, já que não há via mental por onde possam escapar à fome, ao cansaço e à desesperança.

O que resta da dignidade de um homem quando sente os seus pés enterrados na pantanosa indigência? Malnutridos, cansados, forçados ao nomadismo, os homens com que Orwell partilhou as ruas e os albergues vivem revoltados, mas diminuídos, entregues aos seus instintos por não lhes ser possível aspirar a mais. Há, no entanto, quem resista. Orwell, por exemplo, ainda que ressentido pela falta do tabaco, recusa-se a apanhar beatas do chão.

Qual é, então, o interesse em permitir que esta faixa da população se mantenha abaixo do limiar da pobreza? A esta questão, colocada ainda antes da instituição do Estado Social, Orwell responde com o desinteresse dos mais ricos em educar aqueles que podem tornar-se uma ameaça à sua posição e com o desprezo a que a mentalidade do pós-revolução industrial vota os trabalhadores (já que Orwell defende que a mendicidade é, em si, um trabalho) incapazes de gerar lucro. Hoje, já com políticas públicas de apoio aos mais necessitados, o problema mantém-se. O fosso entre ricos e pobres aprofunda-se e o capitalismo prospera, voraz. Soma-se ao individualismo crescente a generalizada extinção do dinheiro físico. Nem de esmolas poderá, num mundo que Orwell já não pode dispor em crónicas, um mendigo viver.

Down and Out in Paris and London termina em jeito de promessa, que serve de lição de moral:

I shall never again think that all tramps are drunken scoundrels, nor expect a beggar to be graceful when I give him a penny, nor be surprised if men out of work lack energy, nor subscribe to the Salvation Army, nor pawn my clothes, nor refuse a handbill, nor enjoy a meal at a smart restaurant. That is a beginning.

31
Jan25

"A Moveable Feast" - Ernest Hemingway

If you are lucky enough to have lived in Paris as a young man, then wherever you go for the rest of your life, it stays with you, for Paris is a moveable feast 

Carta de Hemingway a um amigo, 1950.

Este é um livro autobiográfico sobre os tempos que Hemingway passou nessa “festa móvel” que é Paris. Apesar da pobreza e da fome em que teve de viver para suportar a sua estadia enquanto alguém que vivia unicamente da sua escrita, sabia que apenas ali poderia ter a experiência canónica que contribuiu para a formação de dezenas de mentes brilhantes. Comprava livros baratos numa banca em que confiava, nas margens do Sena. Contactou com Gertrude Stein, escritora cuja opinião sobre os seus escritos era por ele tida em alta consideração. Viajou, com a esposa ou com colegas escritores, para Espanha, para a Suíça e para outras regiões francesas. Comungou, enfim, do substrato comum àquela que ficou conhecida como a Geração Perdida.

“I’ve seen you, beauty, and you belong to me now, whoever you are waiting for and if I never see you again, I thought. You belong to me and Paris belongs to me and I belong to this notebook and this pencil.”

No registo terra-a-terra a que habituou os seus leitores, Hemingway leva-nos a percorrer as ruas da capital francesa como se o fizéssemos ao seu lado. Entramos com Hemingway nos cafés e nos bares e vemo-lo dissolver as suas preocupações em álcool, com uma regularidade alucinante. Encontramo-nos com os amigos dele, já nossos conhecidos de outras paragens – da pintura, da literatura – e descobrimos-lhes novas facetas. Olhamos para o mundo a partir dos olhos de um homem: para a literatura pelos olhos de um homem, para as corridas de cavalos pelos olhos de um homem, para as mulheres pelos olhos de um homem. Hemingway escreve para viver, aposta nas corridas para amealhar algum dinheiro com as vitórias e aprecia mulheres como se não o esperassem em casa a sua mulher e o seu filho.

Subjaz a esta narrativa a aura eletrizante da Cidade Luz, o bulício das ruas e a atividade dos cafés do epicentro da produção artística da década de 1920.  É difícil ler A Moveable Feast sem se cair no desejo de viajar no espaço e no tempo para a Paris dos anos 20 – Picasso, Hemingway e F. Scott Fitzgerald são três das personalidades estelares com que seria possível partilhar o balcão de um bar. Provavelmente, o bar onde se vendesse o álcool mais barato. De qualquer forma, saímos da leitura deste livro com uma certeza: na riqueza ou na pobreza, Paris será sempre Paris.

17
Nov24

"A Cidade e as Serras" - Eça de Queiroz

Durante toda a sua vida, Jacinto ocupou um apartamento no número 202 dos Campos Elísios. Habituado à vida no epicentro da civilização, é apenas no seu seio que concebe a possibilidade de uma existência digna. Aterra-o passar tempo entre a natureza, longe do bulício urbano.

É este homem peculiar que Zé Fernandes, o narrador de A Cidade e as Serras, encontra no Bairro Latino, e é com ele que cultiva uma amizade que se prolongará ao longo de muitos anos. Acompanha, por isso, a descida de Jacinto dos píncaros do entusiasmo pelas maravilhas da civilização até ao tédio profundo da saturação pelo excesso. Enterrado em leituras de Schopenhauer e declarando todas as propostas de divertimento “uma seca”, Jacinto parece não ter como sair deste miasma existencial. Eis quando chega uma carta de Tormes, uma propriedade da sua família no vale do Douro, com a notícia de um deslizamento de terras que afetara o lugar de repouso dos seus antepassados.  

Uma vez em Tormes, depois de uma viagem atribulada, Jacinto inicia-se numa jornada que revolucionará a sua forma de estar no mundo. Afinal, a comida mais apetitosa não precisa de chegar à sala de jantar através de elevadores sofisticados, a pobreza pode existir mesmo à sua porta, e há beleza suficiente nas árvores que preenchem um pedaço de terra.

Nem a ciência, nem as artes, nem o dinheiro, nem o amor, podiam já dar um gosto intenso e real às nossas almas saciadas. Todo o prazer que se extraíra de criar estava esgotado. Só restava, agora, o divino prazer de destruir!

Esta foi a minha primeira incursão num romance queirosiano que não pertence à trilogia realista de Os Maias, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio. Motivada, inicialmente, pelo objetivo de ficar a saber mais sobre a forma como Paris era retratada pelos escritores portugueses do final do século XIX, acabei por ganhar raízes na narrativa pelo fascinante tédio de Jacinto e pela revolução que acaba por sofrer a sua conceção da vida.

É sempre de grande interesse, para mim, quando um autor escolhe para narrador uma personagem que, apesar de ser quem dá voz à história que é contada, não constitui a figura em volta da qual a ação principal se desenrola. Zé Fernandes é um narrador homodiegético, e isso condiciona largamente a perceção do leitor em relação a Jacinto. Sem acesso direto aos seus pensamentos e sensações, o leitor obtém-nos em segunda mão, através da lente subjetiva de um amigo caro. Ficam por revelar as palavras que povoam a mente do enfastiado Jacinto, assim como todos os raciocínios por trás das suas ações. Resta-nos julgá-lo pelas atitudes acessíveis ao olhar atento de outrem – ao olhar falível e enviesado de outrem.

Este romance alicerça-se sobre o contraste entre o “antes” e o “depois”, separados pela temporada das personagens principais em Tormes, com consequências no caráter de Jacinto e na opinião de Zé Fernandes sobre Paris. Mesmo sem que possamos aceder às profundezas dos pensamentos de Jacinto, a trajetória da sua personagem ao longo de A Cidade e as Serras é clara: antes de Tormes, Jacinto vivia rodeado de todas as mais recentes maravilhas da civilização, numa abundância tão excessiva que o levou a mergulhar no tédio; depois de Tormes, Jacinto é um homem novo, simples, amante da calma e da natureza num recanto rústico português. Também Paris se metamorfoseia radicalmente aos olhos do narrador de Guiães: antes de Jacinto se mudar para Tormes, Zé Fernandes descreve Paris com o entusiasmo de um recém-chegado, fascinado com a sofisticação das mais recentes criações humanas; quando, deixando Jacinto em Tormes, regressa a Paris, Zé Fernandes é confrontado com uma cidade estagnada e pútrida, fortemente sexualizada e assente em motivações fúteis.

Desta oposição entre o “antes” e o “depois” derivam os demais contrastes que estão na base da narrativa: a pureza e a corrupção, a simplicidade e o excesso, a felicidade e a civilização. A felicidade e a civilização, já que se conclui que a obsessão com o aperfeiçoamento da segunda é um veneno fatal para a primeira.

Retira-se de A Cidade e as Serras uma apologia da aurea mediocritas: a chave para uma vida plena não está na acumulação de dispositivos que o “homem civilizado” crê serem essenciais para o seu conforto. O segredo está, sim, na renúncia à abundância que satura, e na aceitação de uma vida humilde – e de um prato de arroz de favas.

29
Jul24

“Dora Bruder” – Patrick Modiano

A partir do anúncio de um jornal parisiense que comunicava o desaparecimento de Dora Bruder, de quinze anos, em dezembro de 1941, Patrick Modiano lança-se num processo de busca obsessiva pelos pormenores da história desta rapariga, com a qual partilha o espaço geográfico em que se movimenta, ainda que a décadas de distância. Pouco a pouco, vão-se desvendando os contornos da figura misteriosa de Dora Bruder, uma adolescente de ascendência judaica que o seu pai decidiu proteger, não incluindo o seu nome no recenseamento obrigatório dos judeus e fazendo-a ingressar no internato do Sagrado Coração de Maria. Foi desta instituição que Dora fugiu, sem se saber como nem por que motivo. Deixa-se ao leitor a liberdade para preencher as lacunas que os dados concretos deixaram em branco, e para fazer o seu papel nesta cadeia de passagem do testemunho que o tempo não deve quebrar.

Este livro cativou-me pelo conceito de que parte e desiludiu-me pela sua concretização. Pensava que o interesse do autor pela história de vida de uma rapariga parisiense judia o levasse a tecer uma narrativa focada nela, em que preenchesse as lacunas e desse corpo a uma história sólida envolvente. Em vez disso, Modiano descreve o seu processo de busca pela identidade de Dora Bruder, um processo bastante centrado nas interseções da vida desta com a do autor e no estabelecimento de relações entre datas que permitem criar um pequeno friso cronológico do que terá sido grande parte da sua vida, sem, no entanto, a aprofundar em pormenores. A fuga de Dora do pensionado do Sagrado Coração de Maria é um dos períodos deixados em branco que, a meu ver, tinham potencial para dar origem a uma narrativa mais densa. As poucas informações acerca dela e o facto de Modiano ter um especial interesse na sua história por partilhar os espaços em que ela se movimentava, mas que o leitor não frequenta, levam a que a relação do leitor com a figura de Dora não seja tão intensa como aquela que seria de esperar. Para além disso, e como consequência da familiaridade do autor com o espaço em que se movimenta, há muitas referências a ruas parisienses que tive alguma dificuldade em visualizar, já que aos nomes das ruas não se associam descrições.

O que achei mais interessante nesta narrativa foram as pequenas histórias de pessoas que pontuaram a pesquisa de Modiano e aqui encontraram uma voz. Os escritores Friedo Lampe e Felix Hartlaub, um apolítico e um combatente a favor de uma causa que lhe tinha sido imposta, são imortalizados em Dora Bruder como vítimas da máquina de morte que colheu as vidas de homens que, como eles, apenas se interessavam pela beleza do pôr do sol e pelos detalhes do dia-a-dia das pessoas comuns. Fica, também, para a história a ação das “amigas dos judeus”, mulheres arianas revoltadas contra as medidas antijudaicas que usavam estrelas de David ao peito e em volta da cintura, em modo de protesto.

Pode ser que eu e Dora Bruder nos tenhamos cruzado numa má altura e que eu possa regressar a ele mais tarde, com outros olhos. No fundo, gostei deste livro e recomendo-o pela forma inovadora como conta uma história que poderia corresponder à de muitas outras vidas perdidas no caos do Holocausto, sem cair em clichés. A dureza do passado é, de certo modo, atenuada pelo facto de o leitor ser confrontado com factos em segunda mão – o autor encontrou estes registos e transmite-nos as suas conclusões. Em suma, é um livro curto que nos leva numa viagem no tempo e no espaço, até aos dias de pesadelo nazi na Cidade Luz.

02
Dez23

“Giovanni’s Room” – James Baldwin

Esta narrativa de amor falhado inicia-se com David, a personagem principal, na sua casa no sul de França, contemplando as consequências das suas ações levadas a cabo durante os meses que passou sozinho em Paris, enquanto a sua noiva viajava por Espanha.

Recuando no tempo, acompanhamos desde o início a jornada conturbada de David na sua relação com um jovem barista que conheceu numa noite em que acompanhava um dos seus amigos parisienses. Giovanni, belo e sedutor, desperta em David impulsos que, ainda que não sentidos pela primeira vez, ele tende a reprimir e a contrariar. Com o passar do tempo, a sua intimidade com Giovanni aumenta, assim como o amor genuíno que este nutre por David. Contudo, David está preso dentro de si, preocupado com o regresso de Ella, com os preconceitos da sociedade e com a sua autoperceção. Giovanni é um rapaz vulnerável na Paris buliçosa e sem piedade, mas também o seu casamento com Ella balança, periclitante, sobre a necessidade de encaixar numa sociedade padronizada e de cumprir os sonhos que alimentara desde sempre. Encurralado entre mundos mutuamente exclusivos, David é forçado a encontrar-se com quem ele realmente é.

If you cannot love me, I will die. Before you came I wanted to die, I have told you many times. It is cruel to have made me want to live only you make my death more bloody.

Giovanni’s Room (O Quarto de Giovanni em português) não é um livro que recomendaria a leitores que precisam de gostar das personagens que povoam os romances que leem. David é uma personagem imperfeita e falível que despoleta no leitor um cocktail de emoções, muitas delas negativas. É um narrador egoísta e perturbado que deixa que as consequências do seu conflito interno reverberem naqueles que o rodeiam. Por errar uma e outra vez, por tentar gerir todas as esferas da sua vida e não conseguir por não saber como o fazer, por não ser capaz de tratar corretamente aqueles que lhe são próximos por nem sequer se perceber a si próprio, David é mais do que uma personagem de papel e tinta, é a voz real daqueles que tentam trilhar um caminho na vida enquanto se descobrem a si e aos outros.

O amor e as suas diversas facetas são o pilar da história conturbada de David em Paris. O amor não correspondido, o amor carnal, o amor incondicional, o amor imaginado e o amor prometido entrecruzam-se nas relações que as personagens estabelecem entre si. Como substrato desta complexidade de sentimentos amorosos, encontramos o problema da indefinição da identidade sexual de um indivíduo numa sociedade heteronormativa que o influencia grandemente. Não fosse a insistência de David em abafar os impulsos sexuais que ele sabia serem vistos como condenáveis, não teria de gerir um casamento insatisfatório enquanto torturava Giovanni com a volubilidade dos seus sentimentos. O efeito borboleta despoletado pelas ações do narrador nas vidas de todos os que o rodeiam fez-me refletir acerca do impacto que cada um de nós pode ter naqueles que nos são queridos – muitas vezes, sem que nos apercebamos disso.

Esta leitura deixou-me a braços com uma grande tristeza - uma tristeza boa, se é que isso é possível. Só uma narrativa bem tecida pode despertar no leitor sentimentos reais em relação a personagens fictícias. Esta não é uma história com um final feliz, assim como não o são as de muitas vidas.

Por se tratar de uma narrativa circular, só no fim podemos entender por completo a situação na qual David se encontrava no início do romance. Foi com outro olhar que regressei às primeiras páginas e revi a opinião que formara no início de um narrador deslocado, inocente e preocupado. Este é daqueles livros que pede uma releitura que se afigura tão boa ou melhor do que a primeira.

23
Abr23

“Fiesta – The Sun Also Rises” – Ernest Hemingway

Na década de 1920, Jake, o narrador americano, e um grupo de amigos conterrâneos e ingleses encontram-se em Paris para uma estadia prolongada. Jake leva uma vida de diletante, passeando-se de café em café e encetando conversas com os seus amigos de longa data. Brett, em particular, é relevante para o narrador pela relação amorosa que tinham mantido no passado, por um curto período, já que ela tinha uma dificuldade crónica em consolidar relações longas, e ele estava sexualmente debilitado em consequência da sua participação na Grande Guerra.

Com a chegada do verão, Jake organiza a sua habitual visita a Pamplona, desta vez com os seus amigos, para assistirem às touradas e às corridas de touros. O narrador parte com antecedência, para fazer uma paragem para pescar nos Pirenéus. Quando se reúnem em Pamplona, por entre os ânimos da fiesta, tensões entre eles desabrocham e intensificam-se, fruto de paixões entrecruzadas e interesses que não coincidem.

Numa narrativa focada no tempo presente, Hemingway tece uma rede de personagens que, fruto de um contexto histórico determinante para as suas peculiaridades, perseguem os impulsos que esperam vir a dar sentido à sua vida.

He’s so damned nice and he’s so awful. He’s my sort of thing.

Depois de uma desilusão considerável com a leitura de Por quem os sinos dobram, Fiesta revelou-se uma agradável surpresa. Este é um livro que retrata através de uma mão cheia de protagonistas a sociedade hedonista do pós-primeira guerra mundial – a chamada “Geração Perdida”. Jake e os seus amigos levam uma vida boémia em Paris que se prolonga na sua estadia em Espanha, e gira em volta de diversão, álcool e paixões. Podemos contar, também, com uma representação muito vívida da realidade espanhola dos anos 20, do ambiente das corridas de touros bascas e de todo o entusiasmo popular que envolve as fiestas. Apesar de descrever as touradas da perspetiva do narrador, que as aprecia, Hemingway não deixa de incluir opiniões contrárias às touradas, e a sua tendência tauromáquica não me chocou particularmente.

Inicialmente, as personagens que rodeiam o narrador surgem em catadupa, o que gerou alguma confusão no meu processamento da ação – tudo girava como um turbilhão de vultos indistintos que se amalgamavam nas vivências do narrador. Contudo, o desenrolar da narrativa permite ao leitor ter uma imagem clara de cada um dos intervenientes na ação, já que os seus carateres, ainda que todos eles boémios, são marcadamente distintos. De facto, o coração deste romance não reside na sucessão de eventos, mas na decantação do caráter de uma série de indivíduos que vagueiam pela vida numa busca repetidamente falhada pelo seu sentido.

Assim, partilhando ou não da visão do autor em relação às touradas e reconhecendo que certas observações se devem às especificidades do contexto em que a obra foi escrita, recomendo esta leitura como escape no tempo e no espaço.

You can’t get away from yourself by moving from one place to another.

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