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H-orizontes

H-orizontes

16
Abr25

"De Profundis" - Oscar Wilde

É do interior da cela de Oscar Wilde que nos chega De Profundis, uma longa carta que escreveu ao seu amado, dois anos após ter sido condenado por práticas homossexuais. No entanto, esta está longe de ser uma carta de amor, e muito menos um testemunho pessoal de contornos homoeróticos. Wilde envia para o mundo fora das grades uma missiva na qual sintetiza as conclusões a que lhe permitiram chegar dois anos sem liberdade – conclusões sobre si, sobre o Outro, sobre Cristo e sobre a Arte.

But while I see that there is nothing wrong in what one does, I see that there is something wrong in what one becomes. It is well to have learned that. (Wilde, 1905, p.30)

A moral não é, como se sabe, o ponto forte de Wilde – nem o próprio está interessado em trabalhar nesse sentido. Para Wilde, a moral é um conjunto de regras arbitrárias e desprezíveis, obstáculos no caminho para a concretização grandiosa e plena de um indivíduo. Não há, portanto, nestas páginas, lugar para o arrependimento sofrido de quem se autoexamina e reprova pela forma como o seu comportamento difere do dos demais. Existe, em vez disso, uma clareza de espírito face à importância de analisar as circunstâncias que o conduziram ao ponto em que se encontra e de aprender com elas a ser um homem mais sábio, completo e ciente de si. Nas palavras do próprio, “[t]o regret one's own experiences is to arrest one's own development” (Wilde, 1905, p.43).

Every single work of art is the fulfilment of a prophecy: for every work of art is the conversion of an idea into an image. Every single human being should be the fulfilment of a prophecy: for every human being should be the realisation of some ideal, either in the mind of God or in the mind of man. (Wilde, 1905, p.77)

Wilde equipara Cristo a um poeta a quem foi retirado o individualismo - uma alma dinâmica e sensível, um homem ideal na forma como existiu para si e para o seu próximo. Na conceção do autor, a espiritualidade permeia a arte, do mesmo modo que permeia o ser humano. Um e outro são materializações de um ideal, concretizações de uma intenção que carregam no seu conteúdo o botão idílico da sua génese. Por isso, são fonte de desgosto para Wilde as igrejas protestantes, os sonetos de Petrarca e a tragédia formal francesa, em contraste com as saudosas lendas do Rei Artur, com catedrais como a de Chartres e com a Commedia de Dante. O racionalismo renascentista esventrou a paisagem cultural europeia do espírito cristão que a alimentava e substituiu-o por regras obsoletas. É esse o movimento que Wilde considera culpado pelo marasmo anímico dos seus contemporâneos, e é nítido o seu sentimento de alienação e insatisfação em relação à massa humana cuja estreiteza espiritual a impede de o compreender.

Art is a symbol, because man is a symbol. (Wilde, 1905, p.61)

No final de contas, é a arte que move Wilde e é a arte que, para Wilde, move o mundo. Pois que importam a metafísica e o cálculo matemático, se é Platão que nos fala junto ao ouvido, através dos milénios? A arte enquanto além-do-real, enquanto encarnação da ideia, enquanto sublimação do espírito, é quanto-baste para sustentar a humanidade. É o ponto de toque entre ela e o divino.

E De Profundis é prova disso.

(citações retiradas da edição de De Profundis, de Oscar Wilde, realizada pela Methuen&Co. Ltd. em 1905)

14
Abr20

"O Retrato de Dorian Gray" – Oscar Wilde

Dorian Gray é um jovem extraordinariamente belo e inocente, com um passado familiar algo conturbado, que se inicia nas esferas sociais londrinas do século XIX. Basil Hallward é um pintor reservado e bem-educado, que se apaixona por Dorian quando se encontram pela primeira vez e decide pintar-lhe um retrato, a mais bela obra por ele alguma vez concebida. Lord Henry Wotton é um aristocrata com um grande domínio da palavra e de ideais invulgares e algo radicais para a sua época. Henry desperta em Dorian a vaidade e a urgência em preservar a sua mocidade (segundo ele, “a única coisa que vale a pena ter”). Ansiando por contrariar a “brevidade com que ela se desfolha”, Dorian exprime em voz alta o desejo que o domina quando contempla a sua beleza representada no quadro de Basil: “Se fosse eu que ficasse jovem e o retrato que envelhecesse!...”

Para sua surpresa, as suas preces são ouvidas: o quadro não só envelhecerá no seu lugar, como também se revelará um espelho da sua alma, a representação pictórica dos seus pecados, enquanto a sua aparência permanece incólume. Movido pela persuasão perversa de Lord Henry, Dorian envereda por uma vida de delinquência e pecado, sem recear perder a boa reputação que a sua aparência garante junto da sociedade. Mas será que a eterna mocidade suplanta o peso da consciência?

"É o espectador, e não a vida, que a arte realmente reflete."

A minha crítica a este livro é sobretudo positiva. Este clássico da autoria de Oscar Wilde parte de um fenómeno insólito para a elaboração de uma reflexão sobre o impacto da beleza no estatuto social, o impacto das influências externas no indivíduo e a dualidade entre o Bem e o Mal. O enredo e o caráter das personagens encerram uma crítica à sociedade oitocentista (à sobrevalorização da aparência, à infidelidade, à degradação moral, etc.).

Pensava que seria um registo literário difícil, mas revelou-se bastante acessível, sendo apenas necessário que se lhe dedique a atenção devida. Só o capítulo XI se revelou mais comprido e enfadonho, uma vez que se refere à evolução do caráter e dos interesses de Dorian ao longo dos anos, numa descrição longa e detalhada. Também as falas de Lord Henry se tornam, por vezes, aborrecidas, pois constituem grandes parágrafos que transmitem ideias ou constroem raciocínios que se podem revelar confusos. Apesar de ser o elemento central da trama, achei que o facto de o retrato se degradar paralelamente à beleza imutável de Dorian é referido demasiadas vezes ao longo da obra, tornando-se repetitivo.

De resto, considero-o um livro original e cativante. Como “cereja no topo do bolo”, o desfecho agradou-me imenso, algo que raramente acontece! É uma leitura altamente recomendável.

"todo o retrato que é pintado com sentimento é um retrato do artista e não do modelo."

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