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H-orizontes

H-orizontes

26
Ago23

“Noite” – Elie Wiesel

Helena

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No início do ano de 1944, a cidade romena onde Elie Wiesel vivia com a sua família ainda não tinha sido confrontada com a ameaça do fascismo que lavrava pelo solo europeu, em plena Segunda Guerra Mundial. Contudo, nenhuma povoação da Roménia viria a escapar à ocupação alemã que se seguiu, na primavera de 1944, a um pacto entre os nazis e o governo.

Assim, com apenas quinze anos, Elie Wiesel é enviado para o campo de concentração de Auschwitz, onde é separado da mãe e dos irmãos. Ficou apenas com o pai, de quem recusou separar-se até ao final da sua jornada. Apesar de a reta final da Segunda Guerra Mundial começar a vislumbrar-se no horizonte, as atrocidades perpetradas nos campos de concentração não eram, de forma nenhuma, menos degradantes. O frio, a fome e a exaustão andam de braço dado com Elie e os seus companheiros de campo, durante um ano que pareceu uma noite e cujo fim não chegou a ser presenciado por todos.

Noite faz parte do corpus de documentos e ações de sensibilização que contribuíram para que o Nobel da Paz de 1986 fosse atribuído a Elie Wiesel.

Na primeira metade da obra, aquilo que mais me impactou foi a perda de fé do narrador no Deus a que se dedicava integralmente antes de ter sido deportado. Quando confrontado com o completo desrespeito pela dignidade humana de que os prisioneiros do campo de concentração eram vítimas, Wiesel sentiu-se abandonado pela divindade que julgava misericordiosa e boa. O narrador chega, aliás, a afirmar que os Homens são superiores a Deus, por possuírem força de espírito suficiente para continuarem a adorá-Lo, mesmo quando Ele permite que o seu povo fosse condenado ao sofrimento e à miséria.

Na segunda metade, é gritante o poder da degradação extrema das condições de vida na desintegração dos laços que se pensavam inquebráveis entre indivíduos. A degradação da relação entre pai e filho, em particular, é posta em evidência enquanto resultado da necessidade crescente de apelar aos instintos mais primários de sobrevivência. O próprio autor, depois de uma longa jornada ao longo da qual se recusou a separar-se do seu progenitor, confessa-se aliviado após a sua morte, por permitir que ele concentrasse toda a sua energia na sua própria sobrevivência.

Um dos aspetos mais perturbadores deste relato é a descrença da população na terra-natal de Wiesel em relação à chegada do fascismo. A guerra alastrava pela Europa, mas nunca chegaria à Roménia. Os fascistas chegaram à Roménia, mas nunca chegariam às povoações mais pequenas. A repressão chegou às aldeias, mas o perigo para os judeus não podia ser real. A postura de negação em relação à ameaça do fascismo existia em 1944 e existe nos nossos dias, e é importante que consigamos identificar estes padrões para podermos prevenir a repetição de um dos episódios mais negros da História europeia.

Noite é mais um livro do cânone das narrativas sobre o Holocausto, um relato cru e revoltante de uma das tantas vidas que devemos recordar, com respeito e atenção, nos tempos que correm e nos que estão por vir.

31
Dez21

“O último cabalista de Lisboa” – Richard Zimler

Helena

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Berequias Zarco, um judeu português residente em Constantinopla, é surpreendido pela visita de um antigo vizinho que lhe traz a chave da sua casa em Lisboa. Deparando-se assim com um regresso vívido dos seus últimos anos na capital portuguesa, Berequias decide registar para a posteridade os eventos da sua vida que até ali guardara na sua memória.

Recuamos, assim, até ao ano de 1506, ano em que os cristãos-novos de Lisboa foram vítimas de um imenso massacre despoletado pelas incitações de clérigos que culpavam os judeus da terrível seca. Milhares de judeus e cristãos-novos morreram no pogrom da Páscoa fatídica desse ano, que serve de pano de fundo ao enredo de “O último cabalista de Lisboa”. É no dia do massacre que Berequias regressa a casa e encontra o seu tio e mestre espiritual morto na cave em que realizava os seus rituais cabalísticos e judaicos. Junto dele está o cadáver de uma rapariga. Ambos apresentam um longo corte no pescoço, que só poderia ter sido executado por alguém que dominasse as artes do shohet.

Por entre as ruas de Lisboa, a intolerância religiosa da sociedade e o fraquejar da sua fé, Berequias deixa-se guiar pela sua sede de vingança e enceta todos os seus esforços na procura do assassino do seu tio. Tudo indica que se tratará de um membro do seu círculo de iniciados, que roubara a Haggada em que o mestre cabalista o usara para representar a personagem do traidor…

Para a última leitura do ano, escolhi um livro que sabia que me serviria de máquina do tempo. Com efeito, recuei cinco séculos e fui transportada para as ruas de Lisboa num dos períodos mais deploráveis da história da capital. Por mais que nos ensinem nas aulas de História que os judeus foram perseguidos incansavelmente durante décadas, nunca estamos preparados para as descrições das atrocidades que foram cometidas nestes anos de intolerância cega. Os capítulos referentes ao pogrom foram os mais intensos e chocantes e, por isso mesmo, os meus preferidos.

O enredo, para além de original, é um autêntico novelo de personagens, histórias, percalços e suspeitas, que se enrodilham num turbilhão de mistério até ao desenlace final. Acompanhar o ritmo dos acontecimentos e o surgimento de novas personagens foi o maior desafio desta leitura, porque, ao contrário do narrador, não possuo uma “memória de Tora” capaz de articular a grande quantidade de intervenientes na resolução deste mistério, o seu passado e as suas ações. Felizmente, no final do romance, o narrador faz uma recapitulação dos destinos de cada uma das personagens, pelo que pude recordar o seu papel na ação e compreender o desenlace como a um puzzle em que se encaixaram as últimas peças.

Encerramos, assim, as leituras de 2021 com uma experiência positiva, surpreendente e desafiante que, sem sombra de dúvida, merece um regresso mais vagaroso e atento.

15
Out20

"Perguntem a Sarah Gross" – João Pinto Coelho

Helena

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1968, Shelton, Estados Unidos da América. Kimberly Parker, uma jovem professora de literatura, é recebida no Colégio St. Oswald’s por Sarah Gross, a diretora, a fim de se candidatar a um lugar no grupo docente. Graças ao período de modernização impulsionado pela nova diretora, Kimberly é aceite num dos colégios mais prestigiados do país e acompanha de perto o choque provocado pelas mudanças na instituição e a postura firme da reservada diretora em relação a elas.

1923, Oshpitzin, Polónia. Determinado a estabelecer-se na terra natal dos seus antepassados, Henryck Gross, juntamente com a sua mulher e a sua filha, regressa a Oshpitzin, a pequena cidade polaca cujo nome ficará gravado para a posteridade como Auschwitz. Graças à prosperidade da indústria familiar, os Gross desfrutam de uma vida estável e folgada na Polónia do pós-guerra. Com o passar dos anos, as ameaças à paz frágil acentuam-se: a Alemanha retoma a produção de material bélico, Hitler sobe ao poder, o respeito pelas minorias está longe de ser praticado e a tensão crescente é quase palpável.

Duas linhas temporais, aparentemente tão distintas, acabarão por se cruzar através de duas personagens, ícones da coragem, resiliência e força de caráter dos sobreviventes à barbárie nazi.

A construção deste romance resultou, nitidamente, de um estudo intensivo acerca dos períodos retratados. Assim sendo, constitui uma ótima oportunidade para obter ou aprofundar conhecimentos sobre o pós-1ª Guerra Mundial e a 2ª Guerra Mundial, algo particularmente relevante para os estudantes de História A, no 12º ano.

Chocou-me particularmente a ação alemã em relação aos professores universitários da Jaguelónica em 1939.

Paralelamente ao antissemitismo nazi dos anos 30 e 40, é retratado o racismo dos anos 60 e 70 nos Estados Unidos da América, personificado pela relação entre Dylan, filho de um candidato a senador conservador, e Justin, o primeiro aluno negro do Colégio St. Oswald’s.

As impressões que este livro me deixou são, no entanto, predominantemente negativas. Apesar de reconhecer que a reviravolta final está muito bem conseguida, alterando a perceção de grande parte do romance, penso que isso não compensa o tédio com que percorri a maior parte das suas páginas. O discurso não me cativou muito e, sobretudo, narrar através da primeira pessoa, numa linha temporal, e da terceira, na outra, não me pareceu a opção mais acertada. Penso que uma narração na terceira pessoa se adaptava perfeitamente a toda a narração.

Em retrospetiva, apesar dos picos de emoção e das aprendizagens que me proporcionou, esta leitura ficou aquém das minhas expectativas.

"(...) há sempre um mau prenúncio num brinquedo abandonado."

27
Jun19

"O Diário de Anne Frank"

Helena

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“O Diário de Anne Frank” transporta-nos para a realidade vivida pelos judeus escondidos durante a Segunda Guerra Mundial, dando-nos a conhecer o quotidiano de oito deles. A família Frank mudou-se para Amesterdão quando Anne tinha apenas quatro anos, e aí estabeleceu um modo de vida normal: as crianças iam à escola e o pai trabalhava. Com o começo do governo de Hitler, viram-se obrigados, como judeus, a cumprir as novas leis por ele impostas, ainda que os prejudicassem. Quando receberam a convocatória de Margot, a irmã de Anne, decidiram antecipar a mudança para o esconderijo, que estava prevista para dez dias mais tarde. A partir daí, somos confrontados com a dura realidade de uma família escondida, que tem de ter cuidado com cada ruído que faz, sempre com a chama do receio de ser descoberta acesa.

Com a chegada dos Van Daans e o acolhimento do Sr. Dussel, já se somam oito pessoas a viver no Anexo Secreto. Estar tanto tempo no mesmo espaço, sempre com as mesmas pessoas, origina as brigas que Anne também descreve no seu Diário. Entre pensamentos, esperanças, receios, paixões, zangas e dúvidas, somos envolvidos pelo mundo de Anne Frank e, de certo modo, tornamo-nos parte dele.

Eu achei este livro um pouco monótono, visto que a vida quotidiana num Anexo não pode variar muito.

No entanto, é interessante do ponto de vista histórico, pois descreve a vida dos judeus escondidos durante o Holocausto. É interessante comparar a vida difícil daquele tempo com o nosso quotidiano actual, pois hoje em dia penso que viver em circunstâncias como as dos judeus escondidos é para muitos inimaginável.

O Diário de Anne Frank retrata características da adolescência que, curiosamente, se mantiveram até aos dias de hoje.

Do ponto de vista literário, não é um livro de difícil compreensão, graças à utilização de um vocabulário simples e acessível.

É um livro que nos abre os horizontes e nos põe no lugar de Anne, que, como muitos outros, viveu uma vida de medo e receio e acabou por não sobreviver. Um “clássico” que atravessa gerações e deixa marcas nos leitores.

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