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H-orizontes

H-orizontes

16
Mar22

“O meu nome é Vermelho” – Orhan Pamuk

Helena

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Do fundo de um poço, algures nos arredores da Istambul do século XVI, chega-nos a voz de um cadáver, cuja falta de um enterro digno impede o descanso da sua alma. Desesperado e dominado pela sede de vingança, o morto exalta a urgência da descoberta do seu assassino. A partir daí, abrem-se as portas para o mundo em que o mistério nos será dado a desvendar.

Corria o boato de que o Sultão teria feito uma encomenda a um velho pintor, e que este o teria convencido a incluir na obra encomendada algumas características que chocavam os pintores conservadores pelo seu caráter herético. Perspetiva, sombras, planos, retratos? Tudo isso era uma clara afronta ao poder absoluto de Deus, cuja visão do mundo, plana e sem distinção entre a relevância dos seres, era a única que devia ser representada. A nuvem da influência do renascimento ocidental parecia pairar sobre a turbulenta Istambul, criando uma cisão entre aqueles que defendiam a tradição com unhas e dentes e aqueles que reconheciam a necessidade de expandir a pintura a novas realidades. É no centro deste conflito que tem lugar o assassinato do Senhor Delicado, o cadáver que nos falou do fundo do poço, cujo assassino temia que o conservadorismo religioso traísse o segredo da encomenda do Sultão.

Alguns dias depois, o velho responsável pela organização da encomenda é assassinado pela mesma mão que matara o miniaturista Delicado. Assumindo a responsabilidade de dar continuidade àquele projeto e almejando mostrar-se merecedor da mão da sobrinha do ancião, o senhor Negro, regressado da guerra, lança-se em busca do assassino que não só põe em risco a segurança dos pintores, como também a conclusão do grande projeto.

Confesso que este livro foi uma grande desilusão para mim. Estava muito entusiasmada com a ideia de ler um livro sobre um mistério contado a partir dos pontos de vista de várias personagens, principalmente tendo em conta que Orhan Pamuk foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura de 2006, mas o interesse esvaiu-se depressa. Isto deveu-se principalmente à forma como o autor decidiu abordar o mistério principal. Tratando-se este de um assassinato motivado pelos conflitos ideológicos existentes entre grupos de pintores, Pamuk direciona o escopo da narrativa para reflexões acerca dessas divergências. Assim, o mistério central acaba por se perder entre as considerações artísticas das personagens.

Como consequência desse desvio do foco da narração, não me pareceu que houvesse nada de particularmente relevante para a construção de uma suspeita quanto ao assassino. Por isso, não senti que a revelação do responsável pelos crimes tivesse um impacto tão forte como seria de esperar, já que não se tinha criado uma relação especial com nenhuma das personagens, nem formado uma ideia acerca do possível responsável.

Aquilo que mais me fascinou nesta história foi o facto de retratar os cânones artísticos que vigoravam no Oriente enquanto o Renascimento florescia no território europeu. Como os programas dos ensinos básico e secundário se focam apenas no movimento cultural do Renascimento, nunca me tinha ocorrido que, nessa época, os princípios artísticos fora das fronteiras europeias fossem outros, e que a influência renascentista fosse vista como uma ameaça para a tradição da pintura oriental.

Assim, apesar de se tratar de um livro interessante do ponto de vista artístico e filosófico, “O meu nome é Vermelho” revelou-se um romance pouco aliciante, cujo ritmo lento e o teor reflexivo não se adequam à violência e ao mistério do assassinato por deslindar.

“É o amor que torna as pessoas idiotas, ou só os cretinos se apaixonam?”

“(...) se a imagem do ser amado continuar viva no nosso coração, o mundo inteiro é a nossa casa.”

26
Ago21

“Inferno” – Dan Brown

Helena

Inferno.jpg

Robert Langdon, o conceituado professor de simbologia da universidade de Harvard, acorda num hospital, sem fazer ideia de como foi ali parar. Por entre a sua confusão, Langdon reconhece, através da janela do quarto, a torre com ameias do Pallazzo Vecchio e o inconfundível Duomo da catedral de Santa Maria del Fiore. Com a ajuda das explicações da doutora Sienna Brooks, o professor fica a saber que se encontra em Florença e que chegou ao hospital nessa madrugada, com um ferimento de bala na cabeça e a roupa ensanguentada. Antes que pudesse perceber por que motivo teria sido alvo de um tiro, um membro armado de uma organização secreta entra no corredor em frente ao quarto e começa a disparar sobre eles. Sienna tem apenas tempo de recolher o casaco de Langdon antes de o ajudar a fugir para o seu apartamento, onde as revelações sobre o motivo da visita do professor a Florença começam a surgir: num bolso oculto do seu casaco está um cilindro que contém um pequeno projetor. Uma vez ligado, este projeta uma imagem bem conhecida, mas alterada: o Inferno, de Botticelli, com os níveis do malebolge desordenados e letras espalhadas pelas personagens da gravura: CATROVACER. Para rematar, o autor da nova imagem deixara uma mensagem no fundo do quadro: “A verdade só pode ser vislumbrada através dos olhos da morte”.

Entretanto, a bordo do navio Mendacium, trabalham os membros do Consórcio, uma organização secreta que satisfaz os desejos dos seus clientes sem pedir explicações acerca das suas intenções. Um dos responsáveis, o facilitador Knowlton, estava encarregado da transmissão de um vídeo nos meios de comunicação, no dia seguinte. O protocolo básico do Consórcio é muito simples: cumprir o acordo, sem fazer perguntas. No entanto, o conteúdo da gravação é tão perturbador que o faz questionar o cumprimento da missão: numa gruta iluminada por luzes vermelhas, um homem escondido por trás de uma máscara da peste medieval discorria acerca do aumento insustentável da população, da urgência e virtude da sua criação e da única maneira de a Humanidade se purgar dos seus pecados: o Inferno. “Neste lugar, nesta data, o mundo foi mudado para sempre.”

Numa corrida contra o tempo, Langdon e Sienna tentam descodificar o enigma que têm em mãos e descobrir o que se passa de tão grave que envolva as forças de segurança italianas, agentes secretos e a própria Organização Mundial de Saúde. No final de contas, isto é mais do que uma caça ao tesouro através da vida e obra de Dante Alighieri: alguém criou uma peste que se espalhará pelo globo a qualquer momento.

“Os lugares mais tenebrosos do Inferno estão reservados àqueles que mantêm a neutralidade em tempos de crise moral”

O USA Today qualificou o Inferno como sendo “O mais próximo que um livro pode ser de um filme de verão estrondoso”, e eu não poderia estar mais de acordo. Dan Brown volta a proporcionar-nos uma aventura única que conjuga personagens imprevisíveis, ameaças arrepiantes, reviravoltas emocionantes e viagens gratuitas através das suas descrições fiéis dos cenários onde a ação se desenrola (neste caso, pontos emblemáticos e recantos escondidos de Florença, Veneza e Istambul). Este livro é o exemplo perfeito de “viajar sem sair do lugar”, seja a nível geográfico, cronológico ou cultural. Assim, sentados no sofá, na praia ou no jardim, somos levados a ruas distantes, à dantesca Idade Média, ao Renascimento de Botticelli, ao futuro incerto de um planeta sobrepopulado e às entrelinhas de uma das obras mais célebres da cultura ocidental: A Divina Comédia.

Como seria de esperar, vindo de Dan Brown, esta história conta com um vilão convincente, defensor de uma tese que faz sentido. Apresentando dados matemáticos e argumentando com a lógica da biologia, o “mau da fita” consegue fazer-nos tremer perante as evidências da dimensão avassaladora da população mundial e das consequências que, num futuro não muito longínquo, derivarão da reprodução incessante de seres humanos. Confesso que me senti inclinada a apoiar as intenções maquiavélicas do criador da praga, face à forma como ele interpretou o presente e o futuro da Humanidade e sublinhou a urgência da tomada de medidas drásticas para evitar uma catástrofe iminente.

Esta leitura foi particularmente cativante devido à situação pandémica que atualmente enfrentamos. A ação do livro gira à volta da ameaça de uma epidemia global e da necessidade de a conter, algo que, quando o livro foi lançado, nos pareceria impossível que saltasse destas páginas para o mundo real. Deste modo, sentimo-nos mais próximos das personagens e percecionamos os acontecimentos de outra maneira. Os termos “cerca sanitária” e “unidades de PCR” e o aparato dos fatos de proteção contra substâncias perigosas já não são uma realidade desconhecida para nós, e esta proximidade com a ação permite-nos vivê-la mais intensamente.

Em conclusão, apesar de não ter conseguido alcançar o patamar d’O Código Da Vinci, Inferno conquistou um sólido segundo lugar nas minhas leituras de Dan Brown, pela maneira como articula uma ação cativante e recheada de plot twists com os resultados de uma pesquisa profunda que fazem desta leitura, para além de um divertimento, um agradável processo de aprendizagem.

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