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H-orizontes

H-orizontes

22
Fev22

“O Amor nos Tempos de Cólera” – Gabriel García Márquez

Helena

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Em pleno século XX, na cidade costeira de Cartagena, na Colômbia, o doutor Juvenal Urbino morre na sequência de uma queda de uma árvore ao tentar capturar o seu papagaio, que fugira. Fermina Daza, mulher do médico, vê-se assim a braços com o luto e com a sensação de vazio que se segue à perda daqueles com quem se partilha a vida de todos os dias. Ainda à deriva no mar do luto, é com incredulidade que Fermina se depara, no fim do velório do marido, com a figura lúgubre de Florentino Ariza, que viera de propósito para lhe declarar a persistência dos seus votos juvenis de amor eterno.

É esta irrupção despropositada de emoções que motiva a analepse que nos transporta até ao final do século XIX, à época em que Florentino Ariza e Fermina Daza, jovens, ingénuos e amantes platónicos, trocavam cartas de amor e sonhavam com um futuro em que a sua paixão poderia florescer livremente e em todo o seu esplendor. No entanto, a passagem do tempo e a imposição da realidade não deram margem ao jovem casal para realizar os seus planos: quando puderam voltar a ver-se, depois de uma longa viagem que o pai de Fermina a obrigara a fazer para esquecer Florentino, a rapariga foi tomada pela desilusão e percebeu que três anos de cartas não tinham resultado em nada senão ilusões.

Com o passar dos anos e por influência da família, Fermina Daza acaba por casar com o doutor Juvenal Urbino, um médico conceituado que concluíra os seus estudos no estrangeiro e cujo pai se destacara no combate à epidemia de cólera que assolara o país, algumas décadas atrás. Enquanto Fermina se dedica à sua nova vida, serpenteando entre a sua nova classe, desfrutando de viagens e aprendendo que um casamento, mais do que a felicidade, persegue a estabilidade, Florentino Ariza salta de mulher em mulher, recusando qualquer compromisso que pusesse em causa o propósito mais elevado da sua vida: reconquistar Fermina Daza.

Poderá uma paixão juvenil durar para sempre?

Num romance circular que cobre a vida inteira das suas personagens principais, Gabriel García Márquez retrata com mestria a complexidade do amor nas suas diversas formas: o amor ilusório, o amor casual, o amor instituído por um casamento sem paixão e o amor verdadeiro que não conhece limites. Tratando-se de um enredo mais desenrolado em torno das personagens do que concentrado numa sequência de eventos, O Amor nos Tempos de Cólera constitui um testemunho da força inexorável do amor e uma prova de que a busca da felicidade não tem um meio nem uma idade própria.

Apesar de ter apreciado a maneira como Márquez, sem recorrer a grandes artifícios de linguagem e reviravoltas da ação, capta as metamorfoses na vivência do amor ao longo da vida, não nego que me senti um pouco incomodada com o episódio de pedofilia que constitui a última paixoneta de Florentino Ariza. No entanto, e dado que a literatura deve ser encarada como uma arte alheia aos padrões da vida real, penso que o leitor deve ter a flexibilidade necessária para o observar como a representação de mais uma das faces do amor e, posteriormente, das consequências que dele podem resultar.

Por fim, ao iniciar-se com uma revelação acerca de um recém-falecido e evoluindo através das relações ocultas e sentimentos reprimidos de todo um universo de personagens com vida própria, este é um livro sobre os segredos que, como diria Carlos Ruiz Zafón, todos escondem “no sótão da alma”.

Assim, O Amor nos Tempos de Cólera não é só um romance sobre o amor nas suas variadas formas, mas também uma história sobre o luto, o desejo, as disparidades sociais, a felicidade e o preconceito. Um romance que vem provar-nos que, de facto, numa vida cabem muitas.

“deixou-se levar pela sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as suas mães os dão à luz, mas que a vida os obriga a parirem-se a si mesmos.”

01
Mai21

“La Plaza del Diamante” – Mercè Rodoreda

Helena

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Natalia, empregada numa pastelaria e enamorada de Pere, estava longe de imaginar que o rumo da sua vida seria drasticamente alterado por uma dança numa festa da barcelonesa Plaza del Diamante. É aí que conhece Quimet, um rapaz vivaço que a faz deixar Pere, e com quem casará. Tendo-se desde cedo revelado um homem controlador, misógino e paranoico, Quimet é a primeira peça do grande e complicado “quebrador de cabezas” em que a vida da personagem principal se transformará.

Por entre a mudança de casa, o nascimento dos filhos, a procura de emprego junto de uma família de nacionalistas, o projeto de Quimet da criação de pombas no terraço e a partida deste e dos seus melhores amigos para a guerra, acompanhamos o dia a dia de Natalia e a perturbação geral inerente à sua existência.

Esta foi uma leitura cheia de surpresas positivas e negativas, dominadas, sobretudo, por uma sensação generalizada de angústia que parece emanar das páginas deste romance.

O pilar desta experiência foi o estabelecimento de uma conexão emocional com a personagem principal, um elo que faz da dor de um ser fictício algo palpável e real. Durante o período que passamos a ler o livro, experimentamos uma espécie de existência paralela e envelhecemos com Natalia, atravessando com ela as pequenas vidas que se sucedem ao longo do tempo em que vivemos.

Natalia é o arquétipo da mulher submissa e inferiorizada, cuja inércia em relação ao seu casamento degradante chega a ser exasperante, talvez por vivermos numa época em que, felizmente, a mulher não tem de se rebaixar assim nas suas relações conjugais. Neste sentido, este livro é também um apelo à urgência da valorização dos direitos da mulher, e um exemplo de como também as mulheres são dotadas de uma força extraordinária e da capacidade de se assumirem como o pilar sustentador da família.

O estilo fluído da narração despertou em mim uma impressão muito positiva, uma vez que acompanha o rumo e o ritmo do pensamento de Natalia. Contudo, e apesar de achar que este registo ia fazer deste livro mais um daqueles difíceis de largar, isto acabou por levar a que, por vezes, não percebesse bem o que a narradora dizia, quer pela introdução do discurso indireto livre, quer pelas expressões de uso corrente cujo significado me escapava (li-o em espanhol, dada a inexistência de uma tradução portuguesa).

Apesar de, segundo Gabriel García Márquez, La Plaza del Diamante ser a melhor das obras relativas à guerra civil espanhola, pareceu-me que este conflito serve de pano de fundo para uma história sobre os pequenos acontecimentos e escolhas que fazem a vida, a resiliência de Natalia e o seu espírito de sacrifício.

"(...) la historia valía más leerla en los libros que escribirla a cañonazos."

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