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H-orizontes

H-orizontes

06
Jan24

“Swimming in the Dark” – Tomasz Jedrowski

Helena

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Ludzio é um jovem que vive na Polónia dos anos 80. Ao longo deste romance, acompanhamos o seu crescimento pessoal, social e sexual, numa jornada de autoconhecimento e de descoberta do mundo que o rodeia.

Numa jornada de trabalho no campo organizada pela universidade que frequenta, Ludzio não consegue deixar de reparar na proximidade de Janusz, um rapaz belo e popular a que se vai aproximando timidamente. Janusz acaba por convidar Ludzio a partir com ele na sua viagem de verão até um lago junto do qual acampam e dão voz à atração que nutrem um pelo outro. A partir daí, os dois jovens embarcam numa jornada romântica atribulada no seio de uma sociedade em rutura económica e social. Aquilo que, inicialmente, se desenhava como um quadro de alegria e êxtase para o jovem Ludzio é abalado pela instabilidade do comportamento sexual de Janusz e pelas perspetivas de futuro divergentes dos rapazes. Enquanto Ludzio se debate contra a emergência de um regime de contornos autoritários e tenciona abandonar o país, Janusz insiste que uma vida na Polónia será possível, mesmo com a escassez e a pobreza que os rodeiam, desde que compactuem com as pessoas certas.

Num período de mudanças imprevisíveis e decisões difíceis, a nível interno e externo, o amor, a incerteza, a revolta e a desilusão inundam a vida de Ludzio e resultam neste retrato da homossexualidade num Leste europeu em crise.

“I had always liked the act of leaving, the expanse between departure and arrival when you’re seemingly nowhere, defined by another kind of time.”

Tinha formado uma opinião prévia deste livro muito positiva pelo feedback que me chegava de outras pessoas, e a minha experiência de leitura não me desiludiu. Tocante, viciante, lírico e intenso são adjetivos que vi a serem-lhe aplicados e que reitero sem reservas.

O primeiro aspeto que despertou a minha atenção foi o facto de a narração, para além de partir da perspetiva de Ludzio, na primeira pessoa, se destinar diretamente a Janusz, pelo que se refere a ele na segunda pessoa. Não me lembro de alguma vez ter lido um livro cujo destinatário é interno à narrativa, e parece-me relevante salientar o resultado tão natural de um mecanismo que é difícil de aplicar com êxito.

Fiquei muito feliz por ter decidido ler o Swimming in the Dark apenas depois de ter lido o Giovanni’s Room, já que este romance de Baldwin desempenha um papel basilar na construção da narrativa de Tomasz Jedrowski. Não só é descoberto e lido clandestinamente por Ludzio (e, depois, por Janusz), como também partilham muitos traços a nível temático. A intensidade dos sentimentos da personagem principal, acompanhada por incertezas angustiantes, alastram facilmente para fora da página em ambos os romances. A homossexualidade é, obviamente, o tema principal dos dois, e é interessante comparar o retrato da experiência homossexual adulta em Paris nos anos sessenta e a jovem-adulta na Polónia nos anos 80 – em ambos os casos, o segredo era parte essencial da equação. Já a experiência humana global é, no geral, bastante distinta: a vida boémia de Giovanni’s Room é, em Swimming in the Dark, uma vida de degradação económica e opressão crescente.

Esta leitura serviu, aliás, para identificar uma lacuna no meu conhecimento de História europeia. Desconheço completamente os sobressaltos políticos e económicos que assaltaram o território polaco no final do século XX. Apesar de esta ser uma história de amor, o comentário político e social é transversal à obra e deixou-me intrigada, pelo que vou certamente aprofundar as questões que foram levantadas com alguma pesquisa.

Em suma, o Swimming in the Dark foi uma confirmação daquilo que esperava encontrar e apreciar. É possível que tenha superado a minha leitura de Baldwin, pelo entretecer de mais aspetos externos às personagens que, para além de as condicionarem, as definem.

16
Ago23

"Purple Hibiscus" - Chimamanda Adichie

Helena

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Numa Nigéria pós-colonial, política e economicamente instável, a família de Kambili vive num contexto de abundância e privilégio que está longe de ser a norma. Apesar de dispor de condições e oportunidades em muito superiores à média, a vida de Kambili aproxima-se mais de um pesadelo exasperante do que de um sonho próspero. O seu pai, Eugene, é fervorosamente religioso, e a imagem de um homem caridoso e bom que passa aos habitantes de Enugu contrasta fortemente com a agressividade com que educa os seus filhos. Contudo, mesmo que sufocada pelo rigor com que o pai determina o que pode ou não acontecer no dia a dia dos seus filhos, Kambili não tem as ferramentas para reconhecer na sua educação as marcas da repressão.

No entanto, uma visita à casa da tia Ifeoma, que vive em condições muito mais precárias, enquanto viúva com três filhos, trará a Kambili uma nova perceção da família e do mundo, da prática da religião e da necessidade legítima de rir. 

"It was hard to turn my head, but I did it and looked away.”

Enquanto romance de lançamento de Chimamanda Adichie, este livro é fenomenal. Esta é uma leitura desconfortável, claustrofóbica e revoltante, e é fantástica por isso mesmo. Apesar de nunca mencionar termos como “opressão”, Adichie transmite ao leitor a sensação vívida de viver sob o jugo de uma autoridade absoluta e abusiva.

Todas as personagens deste romance tiveram, de uma forma ou de outra, impacto em mim. Kambili, em primeiro lugar, pela inocência infantil com que venerava o pai, uma figura de amor e de sucesso, cujos comportamentos incompreensíveis eram suportados por uma consciência profundamente interiorizada da sua autoridade incontestável. Jaja, pela sua coragem em fazer frente ao pai, rompendo a tradição familiar com as suas próprias mãos, e por assumir as culpas que nem sempre eram dele, juntamente com as suas consequências. A mãe, enquanto mulher presa nos ciclos da violência doméstica, vítima de um marido violento e de uma sociedade mesquinha, cuja vida se desenrolava num beco sem saída. A tia Ifeoma, pelo seu comportamento empoderado, pela sua generosidade e pela sua integridade na defesa dos valores que eram mais importantes para ela – a verdade, a tolerância e a felicidade dos seus. Amaka, pelo seu modelamento enquanto personagem redonda, e os restantes primos pela resiliência alegre com que lidavam com a escassez que assombrava o seu dia a dia. O padre Amadi, pela sua perceção moderada de uma religião que devia ser acolhedora pelos seus valores, e não assustadora pelo seu rigor. Até o pai de Kambili, por boas e más razões: uma figura paterna que traumatizava os filhos como meio de transferência do seu próprio trauma, preso entre os deveres de denunciador do regime e de ajuda aos mais necessitados e os de educar duas crianças no seio de uma igreja cuja ordem dava sentido à sua vida.

Apesar de o tom geral de Purple Hibiscus ser de repressão e insegurança, esta é uma história de crescimento e libertação. Através do contacto com a sua família paterna, Kambili encontra a sua identidade, começa a questionar criticamente o ambiente em que foi criada e torna-se dona dos seus próprios objetivos. Assim, um romance de opressão e extremismo torna-se num romance de superação e de esperança.

Tenho um fascínio particular por livros que me levam a descobrir formas de viver e de pensar que me são alheias, e este livro é uma autêntica porta para as vivências da população nigeriana pós-colonial, tanto das franjas mais abastadas como das camadas mais pobres. Adichie faz um excelente trabalho de representação cultural ao incluir, por exemplo, excertos de conversas em igbo, a língua local, ou ao referir os nomes das comidas que pontuavam a alimentação quotidiana.

Comprei este livro enquanto esperava pela chegada de um comboio atrasado, e ainda bem. Tenho a certeza de que vai parar ao topo dos meus favoritos de 2023.

27
Jun23

“Levantado do Chão” – José Saramago

Helena

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Com uma ação situada no seio do Alentejo, durante a ditadura salazarista, Levantado do Chão acompanha a jornada de quatro gerações de trabalhadores rurais e as suas lutas sucessivas pela conquista de direitos laborais.

Ao longo de 290 páginas, a família Mau-Tempo debate-se com os ciclos de miséria e exploração que parecem inexpugnáveis nos latifúndios alentejanos que assentam, tal como a ditadura em vigor, numa hierarquia rígida e impermeável a considerações de misericórdia em relação aos subordinados. Assim, os Mau-Tempo e os que os rodeiam lutam cada dia pela sobrevivência a mais um ano de escassez e de jornadas de trabalho desumanas. Abafadas as revoltas pela PIDE, pela guarda, pela influência da religião, resultando delas mortos, presos, feridos, o povo não desiste da esperança na madrugada que há de vir e dar a conhecer aos trabalhadores o significado da palavra liberdade.

“e todo o mais deste destino está explicado nas linhas de ir e voltar”

Este é um daqueles livros que terei de reler mais tarde, numa altura, quem sabe, mais propícia à apreciação de todas as suas potencialidades. Esta experiência de primeira leitura não foi muito boa, por uma série de razões.

Em primeiro lugar, fui interrompendo esta leitura com outros livros que precisava de ler para outros trabalhos, e isso afetou bastante a fluidez da narrativa. Como se trata de um romance sobre gerações, é fácil que o leitor se perca entre os nomes e as relações entre as personagens, principalmente se não fizer uma leitura consistente e atenta (como foi o meu caso).

Em segundo lugar, a história não me cativou muito, exceto pelo facto de remontar a um contexto espácio-temporal que me interessa particularmente. Os ciclos repetitivos, apesar de intencionais, pareceram-me demasiado repetitivos, ao ponto de tornar a narrativa aborrecida e previsível.

Para além disso, nenhuma personagem me marcou muito por ser muito diferente das outras. É de realçar o episódio da tortura de António Mau-Tempo enquanto testemunho dos mecanismos de repressão do regime salazarista, mas, ainda assim, o seu propósito de vida era o mesmo que o de todas as outras personagens, e a sua trajetória na narrativa bastante linear.

No entanto, reconheço que esta é uma obra fundamental para o aprofundamento da compreensão da vivência dos trabalhadores agrícolas do período salazarista, e para que se recordem as múltiplas e terríveis armadilhas do fascismo. É, ainda, o romance inaugural do estilo saramaguiano, pautado pela fluidez do discurso intercalado com reparos mais ou menos subjetivos por parte do narrador.

Em suma, este não é um romance célebre pelas suas personagens extraordinárias e reviravoltas na ação, mas pela maneira como captura, como que pelos olhos de muitas pequenas formigas, a forma como a soma do sofrimento das gerações que tentaram “levantar-se do chão” possibilitou que, eventualmente, uma delas pudesse usufruir do poder de trabalhar digna e livremente.

12
Ago22

“A mãe de Frankenstein” – Almudena Grandes

Helena

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Em 1954, Germán Velásquez Martín regressa a Madrid depois do exílio na Suíça a que a vitória de Franco o obrigara. Psiquiatra de renome nas clínicas suíças, Germán troca a estabilidade de um país neutro pela rudeza da sua terra natal, para onde pretendia levar a descoberta que o celebrizara no estrangeiro: a cloropromazina, uma substância que se provara eficaz na cura de sintomas graves de esquizofrenia. O que Gérman não sabe é que, em Ciempozuelos, no manicómio feminino onde aceitara trabalhar, encontrará uma mulher que não esquecera desde a sua infância: Aurora Rodriguez Carballeira, a célebre eugenista que assassinara a própria filha por se considerar no direito de destruir a obra imperfeita que ela própria criara.

A descoberta inesperada da mulher cuja perturbação psíquica o fascinara tanto que o levara a escolher uma carreira na psiquiatria não só lhe permite recuperar e revitalizar o processo clínico de Aurora, que tinha caído no esquecimento dos médicos, mas também o leva a conhecer pessoas que influenciarão profundamente o seu regresso a Madrid. É o caso de Maria Castéjon, a filha do antigo jardineiro do manicómio que aproveitava o seu pouco tempo livre para ler em voz alta para Aurora, torna-se a sua melhor amiga.

Assim, cada uma à sua maneira, todas as personagens vão revelando a Germán aquilo que, até aqui, ele se recusava a entender: a Espanha não é a Suíça, e a arbitrariedade autoritária do estado nacional-católico destrói tudo aquilo em que toca.

“Las ilusiones son más venenosas que los pesticidas, pero cuando se comparten, mejoran mucho.”

Este foi o último livro publicado por Almudena Grandes antes da sua morte, em 2021. O quinto volume da série Episódios de uma Guerra Interminável volta a levar-nos aos tempos atribulados do pós-guerra civil espanhola e aos meandros da vida quotidiana daqueles a quem o franquismo virou o mundo do avesso. Desta vez, Almudena escolhe para palco da narrativa o manicómio feminino de Ciempozuelos, nos arredores de Madrid. Apesar de ser um edifício isolado, povoado por pessoas repudiadas e esquecidas pelo resto do mundo, o manicómio apresenta-se como uma miniatura da sociedade espanhola sob o controlo de Franco. Para além de ter por base uma hierarquia rígida que determinava os aposentos, o tratamento e as refeições das pacientes, o manicómio também estava sujeito aos caprichos e jogos de poder dos responsáveis do Estado.

Noutra face deste retrato da opressão encontramos as personagens femininas, todas elas figuras fortes a quem o estado nacional-católico impingira uma vida que não deixava espaço para o livre-arbítrio.

A genialidade deste livro está na forma como Almudena tece um enredo que se desdobra em muitos enredos paralelos. Esta não é apenas a história da mulher louca que matou a filha por achar que não era perfeita o suficiente para salvar a Humanidade, e que depois tentou dar vida a bonecos de pano a fim de poder cumprir a mesma função – qual doutor Frankenstein com a sua criação. Esta também é a história de uma menina a quem os avós nunca contaram que os pais faleceram porque o amor que os unia nada interessava aos assassinos em massa comandados por Franco. A história de uma família alemã judia que se viu obrigada a fugir para a Suíça para evitar o destino que condenou tantos como eles. A história de um psiquiatra que nunca teve jeito para mulheres e que descobre no meio da escuridão da ditadura uma luz de sinceridade e compaixão. As linhas entrelaçadas de uma teia de histórias narradas a três vozes dão forma a uma imagem única e inolvidável das vidas perdidas e renovadas da década de 1950.

O único defeito deste livro é não se prolongar infinitamente para que não tenhamos de nos despedir das personagens cujas vidas partilhamos durante esta viagem ao século passado.

“todos vivimos en un cementerio, pero algunos estamos vivos todavía.”

“un fracaso compartido une más que una victoria común.”

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