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H-orizontes

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23
Mai22

“Marina” – Carlos Ruiz Zafón

Helena

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Barcelona, 1979. Óscar Drai, interno num colégio nos arredores de Barcelona, abandona o internato para mais um passeio pelas redondezas abandonadas de Sarriá. Contudo, algo neste passeio mudará radicalmente a sua vida: atraído pela aura misteriosa de um dos casarões degradados, decide passar os seus portões. No interior do casarão, o som de um piano ressoa pelo ar e um relógio dourado descansa em cima de uma mesa. Assim que Óscar pega no relógio, a cadeira defronte à lareira volta-se e uma figura esguia levanta-se para o apanhar. Óscar corre velozmente até conseguir despistar o seu agressor, mas, quando o faz, repara que ainda segura nas mãos o objeto reluzente.

Mais tarde, de consciência pesada, Óscar decide-se a regressar ao casarão para devolver o relógio roubado. Desta vez, espera-o uma nova presença nos portões: Marina, uma rapariga misteriosa que o levará para a aventura mais macabra da sua vida. Desafiando a coragem de Óscar, Marina leva-o a um cemitério onde tinha visto uma estranha senhora vestida de negro que visitava regularmente uma campa marcada apenas por um símbolo de uma borboleta negra. O mistério adensa-se quando, seguindo a dama de negro, os amigos se deparam com uma estufa abandonada, recheada de marionetas inacabadas e perturbadoramente reais… Uma vez dentro do enigma, Óscar e Marina não conseguem sair: que segredos esconde o desenho singelo de uma borboleta?

"Às vezes, as coisas mais reais apenas acontecem na imaginação"

Já há muito tempo que queria reler um dos meus livros favoritos de todos os tempos. Marina, que também é uma das criações preferidas do próprio autor, ressurgiu aos meus olhos como o primeiro labirinto sombrio do mundo zafoniano em que me perdi, com todo o seu mistério e as suas criaturas sinistras.

Apesar de ter revivido os passos de Óscar e Marina pelas ruas de Barcelona, o seu impacto já não foi o mesmo, e pude analisar Marina como uma produção embrionária da mente brilhante de Zafón. Costumava recusar que A sombra do vento fosse mais célebre e bem considerada do que Marina, mas agora compreendo que essa conceção da obra zafoniana se deve à ordem pela qual entrei em contacto com ela: primeiro Marina, depois A sombra do vento. No entanto, já neste livro é visível a capacidade incrível do autor para a criação de mundos fantásticos e para o entrelaçar de enredos dentro de uma história só.

De facto, uma das maravilhas de Marina é a forma como Zafón constrói uma autêntica matrioska de relatos, uma sobreposição de testemunhos sobre vidas, ou mesmo sobre uma vida só. O leitor vê-se perdido no labirinto da ação e no labirinto das próprias personagens, cujo passado que nos é recontado vezes sem conta se metamorfoseia constantemente.

A mestria na construção de mundos ficcionais manifesta-se não só a nível geral, com a aura sombria que Zafón faz pairar sobre a Barcelona do pós-guerra, como a nível particular, com o desenvolvimento do caráter das personagens e da maneira como são percecionadas por quem lê. Um menino de internato torna-se um herói, a rapariga imperturbável revela a sua fragilidade, e o vilão terrível emerge de um passado que, de súbito, o justifica.

Assim, a minha opinião em relação a este livro mantém-se, no geral, tendo verificado mais uma vez que encarna a possibilidade da conjugação de vários géneros e atmosferas num só romance, acessível e fascinante. Como tal, volto a recomendar Marina a todos os leitores e aspirantes a leitores, convidando-os depois a aventurarem-se pela tetralogia do Cemitério dos Livros Esquecidos.

28
Jul20

"A Sombra do Vento" - Carlos Ruiz Zafón

Helena

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No dia em que Daniel Sempere, a personagem principal do mais célebre romance de Carlos Ruiz Zafón, acorda em pânico por não se recordar do aspeto da sua falecida mãe, o seu pai decide revelar-lhe algo que mudará para sempre a sua vida: o Cemitério dos Livros Esquecidos. Esta biblioteca escondida nas entranhas de Barcelona é um grande reservatório de todos os livros alguma vez escritos, onde se garante que nenhum deles será destruído ou cairá no perpétuo esquecimento. Daniel abandona o Cemitério com A Sombra do Vento, de Julián Carax, debaixo do braço e, quando começa a lê-lo, é irremediavelmente absorvido pela sua história.

Com o passar do tempo, Daniel descobre que tem em sua posse um exemplar de valor extraordinário de uma obra de um autor misterioso, cuja história ainda paira sobre Barcelona, difusa como a neblina. Decidido a compreender os meandros daquele mistério, o jovem Sempere começa a sua investigação junto de Clara Barceló, uma rapariga cega que rapidamente se torna a sua primeira paixão. À medida que vai descobrindo a bizarra história de Carax, através de relatos daqueles que tinham contactado com ele, Daniel deteta semelhanças perturbadoras entre ele e o escritor, o que apenas o motiva mais na sua busca.

Apesar de todos os riscos que lhe são inerentes, Daniel penetrará num labirinto de mistérios, intrigas e histórias de amor, que o levará a desvendar os segredos de Barcelona.

“(…) poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que de facto abre caminho até ao seu coração.”

Apesar de o considerar muito menos intenso e entusiasmante do que Marina ou O Labirinto dos Espíritos, reconheço que A Sombra do Vento é o romance mais bem escrito de Zafón.

Para além da sua construção impecável, sem deixar pontas soltas e desvendando o mistério aos poucos, este livro é marcado pelo estilo fenomenal do autor. Zafón tem um poder incrível de transmissão de sensações através das palavras. Proliferam os recursos expressivos e as frases marcantes, e somos envolvidos pelo enredo, tal como Daniel aquando da leitura do seu A Sombra do Vento. Graças à construção impecável das personagens, estabelecemos fortes laços de amizade com elas, desde Fermín Romero de Torres, um mendigo do pós-guerra, até Julián Carax, o escritor maldito cuja alma atravessa as páginas deste livro.

É difícil abordar todas as esferas que compõem este romance, pois são muitas e variadas. As minhas partes preferidas são as que constituem picos de adrenalina, como o encontro de Daniel com o sinistro ser que quer queimar todos os livros de Carax, as analepses em que somos inteirados da história da vida do escritor maldito e as cenas referentes aos amores atribulados de Daniel e Beatriz Aguilar.

No primeiro volume da tetralogia do Cemitério dos Livros Esquecidos, Zafón conjuga magistralmente os valores do amor, da amizade, da coragem e do gosto pela leitura.

"Há prisões piores que as palavras."

Relacionados:

"El Prisionero del Cielo" - Carlos Ruiz Zafón

"O Jogo do Anjo" - Carlos Ruiz Zafón

"O Labirinto dos Espíritos" - Carlos Ruiz Zafón

16
Jul20

"El Prisionero del Cielo" – Carlos Ruiz Zafón

Helena

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O terceiro volume da saga do Cemitério dos Livros Esquecidos leva-nos à livraria Sempere e Filhos, na Barcelona natalícia de 1957. A ação deste livro inicia-se com a visita de um misterioso velho à livraria, com o objetivo de falar com Fermín. Este ficou visivelmente perturbado quando Daniel o informou da visita do estranho, a quem faltava uma mão e vários dedos da outra, e lhe entregou o livro com uma dedicatória que o velho tinha deixado para ele: “Para Fermín Romero de Torres, que regresó de entre los muertos y tiene la llave del futuro. 13.” O aparecimento do mutilado proporciona a Daniel a oportunidade de ficar a conhecer a verdade sobre o passado de Fermín, uma narrativa que ocupa cerca de metade do romance. Através dela, somos inteirados da temporada que Fermín passou encerrado em Montjuïc e durante a qual travou conhecimento com David Martín, escritor maldito e personagem principal de O Jogo do Anjo, que antecede O Prisioneiro do Céu na tetralogia.

O principal intuito deste livro é transmitir, através de uma analepse e de um narrador heterodiegético, o percurso de Martín após ter regressado a Barcelona e ter sido preso em Montjuïc, assim como o modo como a sua loucura o consumia a olhos vistos.

Embora possa parecer que Fermín é a personagem principal desta história, aquele que realmente guarda as chaves dos segredos da família Sempere é David Martín, o Prisioneiro do Céu.

Este é o livro mais simples da tetralogia, bem como o menos emocionante. Isto deve-se ao facto de o enredo não ser tão intrincado como nos outros volumes. Para além disso, não tememos pela vida das personagens, uma vez que estão presentes em romances anteriores, que remetem para períodos posteriores ao da narração desta história. Ainda assim, considero este livro muito importante para a compreensão do universo do Cemitério dos Livros Esquecidos e para a caracterização de algumas das suas personagens.

Gostei especialmente de reconhecer, no epílogo, um episódio que pertence ao livro seguinte (O Labirinto dos Espíritos), estabelecendo uma relação de complementaridade entre os volumes.

Reler esta saga tem-me permitido prestar mais atenção aos detalhes e à maneira como as histórias se organizam a nível cronológico. Este processo leva-me a compreender a tetralogia na globalidade, mas também a detetar algumas incoerências. Considero que o epílogo de O Jogo do Anjo deve, para muitos efeitos, ser ignorado, uma vez que é a principal peça que se recusa a encaixar corretamente na sequência da narrativa. Em O Prisioneiro do Céu, somos inteirados da escrita de O Jogo do Anjo, por David Martín, enquanto este se encontrava preso em Montjuïc, entre 1939 e 1941. No entanto, o epílogo do segundo volume da saga refere que Martín o escreveu numa casa junto ao mar, em 1945. Mais uma vez, é-nos impossível perceber se a incoerência se deve à loucura de David Martín ou a um lapso do autor.

Em suma, O Prisioneiro do Céu é um livro curto e acessível que serve eficazmente de ponte entre os romances anteriores e o desfecho da tetralogia.

“El futuro no se desea; se merece.”

Relacionados:

"A Sombra do Vento" - Carlos Ruiz Zafón

"O Jogo do Anjo" - Carlos Ruiz Zafón

"O Labirinto dos Espíritos" - Carlos Ruiz Zafón

11
Jul20

"O Jogo do Anjo" - Carlos Ruiz Zafón

Helena

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Barcelona, 1917. O jovem David Martín recebe pela primeira vez uma remuneração pelo seu trabalho enquanto escritor, no pequeno jornal La Voz de la Industria. Com esta conquista, David inicia uma carreira de produtividade e popularidade crescentes, primeiro com Os Mistérios de Barcelona e, mais tarde, na editora Barrido e Escobillas, com A Cidade dos Malditos, sob o pseudónimo de Ignatius B. Samson.

É através das suas publicações que capta a atenção de um misterioso editor, Andreas Corelli, que o convoca para um encontro invulgar. Corelli propõe-lhe que rompa o contrato com a Barrido e Escobillas e que passe a trabalhar para ele, escrevendo um livro que encerrasse uma nova e revolucionária religião. David não apresenta uma decisão definitiva ao editor e, inexplicavelmente, um incêndio consome o edifício da Barrido e Escobillas nessa noite, matando os dois editores e dissolvendo automaticamente o vínculo que restringia o jovem romancista.

As coincidências acumulam-se e culminam quando David descobre que o falecido Diego Marlasca, antigo proprietário da casa para onde se mudara recentemente, tinha estado também envolvido num contrato obscuro que tinha por objetivo a escrita de um livro religioso e que o conduzira à loucura.

Apercebendo-se de que se entranhava cada vez mais na mesma armadilha em que Marlasca caíra, David começa a investigar obstinadamente a identidade de Corelli e a história do escritor amaldiçoado, apesar do rasto de sangue que vai deixando atrás de si.

Paralelamente à intriga principal, a jovem Isabella entra na vida do escritor como sua aprendiz, e a paixão desmesurada por Cristina Sagnier, a protegida do seu mentor, Pedro Vidal, acompanha-o e perturba-o permanentemente.

Esta é uma história de amor, traição, ódio, maldições, obstinação e loucura que nos insere na mente de David Martín, enquanto narrador autodiegético.

“O segundo tomo, empapado num sabor mórbido e sinistro destinado a espicaçar os leitores de bons costumes, relataria a macabra peripécia vital de um romancista maldito, cortesia de David Martín, que relataria na primeira pessoa como perdia a razão e nos arrastava na descida aos infernos da sua própria loucura para se tornar um narrador menos fiável do que o príncipe dos infernos, que também se passearia pelas suas páginas. Ou talvez não, porque tudo não passava de um jogo em que seria o leitor a completar o quebra-cabeças e a decidir que livro estava a ler.” Este resumo de “O Jogo do Anjo” que Zafón faz em “O Labirinto dos Espíritos” encaixa-se perfeitamente naquilo que o livro é e nas impressões que deixa no leitor.

Confirmei, com esta releitura, que este é o volume de que menos gosto da tetralogia do “Cemitério dos Livros Esquecidos”. Para além de ser confuso, na medida em que é difícil perceber onde acaba o relato dos factos e começam os devaneios da loucura de David Martín, tem pontas soltas que, contrariamente ao que eu esperava, não são atadas nos restantes volumes da saga.

Ao reler este romance, tive a sensação de que Zafón destina invariavelmente a maioria das personagens à morte. Contam-se pelos dedos aquelas que têm uma história que se prolonga para lá da intriga – ou seja, que não morrem queimados, envenenados ou baleados -, o que considero algo limitativo para a sua complexidade.

Este livro tem, de facto, de ser encarado como o produto de uma alma que se adentra na sua própria demência, caso contrário os pormenores bizarros e quase sem sentido que vão surgindo levarão o leitor à frustração.

O prazer da leitura foi-me tolhido, não só pelas inúmeras questões que se levantavam e eram deixadas sem respostas, mas também pela tradução que li, em que surgiam ocasionalmente gralhas e que não parecia transmitir fielmente a magia da escrita de Zafón.

Os pontos positivos que tenho a apontar são os momentos de suspense, as reviravoltas da trama, o facto de os capítulos serem curtos e a oportunidade que este volume nos proporciona de ficarmos a conhecer melhor uma das personagens mais importantes da saga através do seu próprio ponto de vista.

Em conclusão, este não é, de longe, o melhor e mais bem construído livro de Zafón, apesar de nos apresentar personagens essenciais para a tetralogia e de nos cativar pelo seu enredo misterioso.

“As pessoas normais trazem filhos ao mundo; nós, os romancistas, trazemos livros.”

Relacionados:

"A Sombra do Vento" - Carlos Ruiz Zafón

"El Prisionero del Cielo" - Carlos Ruiz Zafón

"O Labirinto dos Espíritos" - Carlos Ruiz Zafón

29
Jun20

"O Labirinto dos Espíritos" - Carlos Ruiz Zafón

Helena

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O volume que remata a saga do “Cemitério dos Livros Esquecidos” é um livro fantástico, sem o qual, como dizia Zafón, é impossível compreender por completo o universo que a tetralogia encerra.

O início da narração data do fim da década de 1950 e é feita na primeira pessoa por Daniel Sempere, o livreiro já conhecido e tão querido pelos leitores da saga do “Cemitério dos Livros Esquecidos”. No entanto, a ação principal da obra é introduzida por uma analepse que nos leva aos bombardeamentos de Barcelona de março de 1938. É num clima de guerra civil que Fermín Romero de Torres regressa clandestinamente a Barcelona, a fim de comunicar a uma amiga de longa data a morte do seu marido. Os bombardeamentos atingiram o edifício em que Fermín se encontrava com a família do falecido. Foi graças a ele que Alicia Gris, a filha do seu colega, sobreviveu à tragédia, ainda que com um ferimento profundo na anca que a faria sofrer durante toda a sua vida. O tronco da história segue os passos de Alicia, o seu recrutamento, por Leandro, o seu mentor, para uma agência de investigação secreta e a atribuição à rapariga de um caso muito peculiar: o desaparecimento do ministro Valls, outrora diretor da prisão de Montjuïc. Juntamente com o capitão Vargas, da Jefatura, Alicia parte para Barcelona, para seguir um rasto que acaba por levá-la a descobertas que estava longe de imaginar. O caso do desaparecimento não é tão simples como parecia e uma teia de relações cada vez maior acaba por abarcar a família Sempere, David Martín, Miguel Ángel Ubach, o advogado Brians e a família de mais um autor maldito de Barcelona, Victor Mataix, pondo em risco a sua segurança e as suas vidas. A névoa difusa do pós-guerra encobriu estratagemas fraudulentos, crimes, assassinatos e jogos de poder que são revelados aos poucos e encerram a solução de enigmas que pairaram durante décadas sobre Barcelona, o labirinto dos espíritos.

Não tenho a mais pequena dúvida de que a leitura deste livro ficará guardada na minha memória para sempre. Isso deve-se especialmente ao facto de, estando eu a meio da leitura do romance, Carlos Ruiz Zafón ter falecido, vítima de cancro. A notícia da sua morte deixou-me profundamente triste, e não pude deixar de chorar umas lágrimas copiosas ao ler a última página e compreender que este foi o último livro de Zafón que li pela primeira vez, dado que já li todos os outros romances que escreveu. Devo dizer que, ainda que a tristeza tenha marcado a leitura do final do livro, não havia melhor maneira de acabar esta primeira viagem pelas obras de Zafón.

Este romance é incrível e cativou-me imenso, tendo lido as suas 845 páginas num período de tempo invulgarmente curto. De facto, este é o tomo mais extenso da saga, assim como o mais intenso e violento (inclusive em termos de vocabulário). O leitor fica colado às páginas desde o primeiro momento, absorvido pela escrita prodigiosa de Zafón, repleta de figuras de estilo e formas de expressão por que me apaixono uma e outra vez. Com o adensar da narrativa, este romance espicaça a nossa curiosidade e impaciência face ao mistério a resolver, assim como à extensa teia de personagens entre as quais vamos descobrindo as ligações, fascinados. A progressão da ação é constante, pelo que não existem momentos mortos ou desnecessários para a construção do mundo do “Cemitério dos Livros Esquecidos”.

As cenas de perseguições, torturas e assassinatos fazem com que os níveis de adrenalina disparem para valores comparáveis aos da visualização de um filme de ação como Tomb Raider. As descrições são tão realistas que até nos esquecemos de que temos um livro nas mãos, porque a ação parece desenrolar-se fluidamente na nossa imaginação.

Algo que admiro imenso em Zafón é a sua determinação em introduzir nas personagens dos seus romances o gosto pela leitura, um hábito a que é conferida especial importância ao longo desta saga.

As personagens roçam a perfeição, tendo cada uma delas um caráter vincado e uma determinada história de vida, mesmo que se trate apenas de uns simples editores referidos num relato ou de um jornalista que providencia alguma informação para a investigação.

A minha personagem preferida é, provavelmente, Fermín Romero de Torres. Para além de ter uma vida marcada por reviravoltas sucessivas, Fermín é uma personagem profundamente culta e bem-disposta, cujas falas me põem sempre um sorriso nos lábios e me obrigam a fazer incursões ao dicionário. É, no fundo, a voz da consciência nesta história, para além de lhe acrescentar momentos de humor que a equilibram.

Ainda que Zafón refira que “Uma história não tem princípio nem fim, só portas de entrada”, recomendo que esta saga seja lida na sequência em que foi publicada (A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo, O Prisioneiro do Céu e O Labirinto dos Espíritos).

O único ponto negativo que tenho a apontar neste livro é a quantidade de gralhas que encontrei na edição que li (Editorial Planeta, 1ª edição).

Após a leitura desta obra, reafirmo que Carlos Ruiz Zafón é o meu autor favorito e que tenho uma admiração sem limites pela sua capacidade de criação de uma trama tão bem distribuída e interligada ao longo de quatro magníficos tomos que, decerto, relerei muitas vezes ao longo da vida.

Na falta de vocábulos que me permitam expressar fielmente todas as impressões que esta obra despertou em mim, espero sinceramente que a leiam e que possam sentir-se tão em casa entre as suas páginas como eu.

"As recordações que enterramos no silêncio são aquelas que nunca deixam de nos perseguir."

"Um roteiro é o que as pessoas inventam quando não sabem muito bem para onde vão e desse modo se convencem e a alguns outros patetas de que se dirigem para um sítio qualquer."

"a doença mais difícil de curar é o hábito"

"Doña Lorena dizia que o nível de barbárie de uma sociedade se mede pela distância que tenta pôr entre as mulheres e os livros."

Relacionados:

"O Jogo do Anjo" - Carlos Ruiz Zafón

"A Sombra do Vento" - Carlos Ruiz Zafón

"El Prisionero del Cielo" - Carlos Ruiz Zafón

17
Jun19

"As Luzes de Setembro" - Carlos Ruiz Zafón

Helena

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Simone Sauvelle e os filhos Irene e Dorian deixam a buliçosa cidade de Paris e mudam-se para a Normandia em busca de uma vida mais estável, dada a difícil situação posterior à morte do marido de Simone. Em Baía Azul (na Normandia), Simone recebe uma proposta de emprego em Cravenmoore, a residência de um antigo fabricante de brinquedos, onde este vive juntamente com a sua inválida mulher. Nessa casa trabalhava Hannah, uma rapariga mais ou menos da idade de Irene e irmã de Ismael, um rapaz solitário que dedica a maior parte do seu tempo ao seu veleiro Kyaneos. Certa noite, Hannah adentra-se pela ala oeste, expressamente proibida por Lazarus, o fabricante de brinquedos, e encontra uma espécie de quarto de criança que, contrariamente ao resto da casa, não tem nenhum brinquedo. Aí, depara-se com um frasco de vidro que contém uma estranha substância escura e, ao abri-lo, liberta um violento ser que a mata nessa mesma noite. A partir daí, a presença dessa sombra ameaça Baía Azul e põe em risco a vida dos Sauvelle para alcançar o seu alvo: Simone. Uma história de suspense, drama, amor, mistério e aventura numa pequena aldeia da Normandia, causada por um menino que entregou o seu coração sem pensar nas consequências que isso viria a ter...

Dos romances que compõem a Trilogia da Neblina, este foi aquele de que mais gostei. É o mais cativante e emocionante, e também o que mais se aproxima do clima misterioso de Marina. Encaixando a morte, a viuvez, o amor na adolescência, a amizade, a doença e a solidão, este romance tipicamente "zafoniano" pinta um quadro de ficção equilibrado e tentador. Ficamos, como é habitual, presos à história até descobrirmos o seu desenlace, e somos desafiados a encaixar as peças da história que os relatos das personagens ao longo da obra proporcionam. Transmite-nos o prazer, a aflição, a tristeza e a coragem das personagens, tão claros e palpáveis que parece que os conhecemos há muito tempo. A maneira de escrever simples e fluída, leve, mas por vezes profunda, acrescentam um toque especial ao prazer de ler e ao interesse do enredo.

Recomendo a leitura deste livro, embora não esteja ao nível de "Marina" e de "A Sombra do Vento".

"O mar tem destas coisas: devolve tudo passado algum tempo, especialmente as recordações."

17
Jul18

"Marina" – Carlos Ruiz Zafón

Helena

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Este livro conta-nos a peculiar história de Óscar Drai, um rapaz que frequenta um internato nos arredores de Barcelona e que num dos seus passeios encontra uma casa aparentemente abandonada. Descobre pouco depois que a mansão é habitada por um homem e a sua filha Marina, uma rapariga misteriosa que não tarda a envolvê-lo numa enigmática aventura com início no cemitério de Sarriá. Recheada de personagens obscuras como uma dama vestida de negro, um velho médico, um antigo polícia e um refugiado da guerra que trabalhava numa fábrica de próteses, esta história transborda de suspense, com cenários sinistros desde o princípio. Tem um enredo cativante que se adensa a partir do momento em que Óscar e Marina decidem seguir a dama de negro após ela ter deixado o cemitério onde visitara uma campa com o símbolo de uma borboleta negra. A senhora leva-os até uma estufa suspeita na qual desvendam um panorama inquietante que os faz embarcar numa misteriosa jornada para desvendar todas as incógnitas que se lhes deparam. Um livro de suspense com um toque de terror e drama, que prende o leitor do início ao fim.

Adorei este livro! É o primeiro que leio deste autor, e não podia ter começado melhor, de modo que este se tornou um dos livros que nomeio como um dos meus preferidos. Pensava que ia ser uma leitura rápida que serviria de passagem entre o livro que tinha acabado de ler e o que tencionava ler depois, mas revelou-se muito mais do que isso. Ainda que possa parecer pequeno, encerra no seu interior uma história fantástica, cheia de mistério, que me fascinou desde o início, tanto pela maneira como está escrito, com vocabulário acessível e bem empregue, como pelo enredo que lentamente se adensava e me agarrava ao livro, desejosa de chegar ao fim. Sentimos emoções de todo o tipo, desde medo, tristeza e preocupação a alegria e excitação. Não há palavras para descrever o quão positivamente surpreendida fiquei com esta obra, é realmente maravilhosa a imensos níveis, com uma ação cativante e intrigante ao longo de todas as páginas que nos faz entrar na história e não querer sair. Sem sombra de dúvida, uma leitura que recomendo a toda a gente!

“Só recordamos o que nunca aconteceu”

“Às vezes, as coisas mais reais apenas acontecem na imaginação”

“Não se pode entender nada da vida enquanto não entendermos a morte”

https://youtu.be/hMyEUnzxiWI

 

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