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H-orizontes

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27
Ago22

“Instruções para salvar o mundo” – Rosa Montero

Helena

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“Instruções para salvar o mundo”, escrito por Rosa Montero, foi editado em Portugal, em 2008, pela Porto Editora.

Entre o emaranhado de pessoas que todos os dias andam de um lado para o outro na grande cidade de Madrid, contam-se Matías, um taxista viúvo, Daniel, um enfermeiro frustrado, Cerebro, uma velha cientista, e Fatma, uma prostituta feliz. Apesar das suas colossais diferenças, todos eles acabarão por cruzar e marcar as vidas uns dos outros.

Matías deixara de acreditar na possibilidade de ser feliz a partir do momento em que perdera Rita, a sua mulher, vítima de um cancro raro e fatal. Preso num mundo cinzento que teimava em trazer-lhe recordações da sua mulher, Matías refugiava-se no bar Oasis durante as horas que não passava ao volante do seu táxi. Quando, inesperadamente, é abordado por Cerebro, uma idosa respeitável e sombria que passava as noites a diluir as recordações no álcool, reencontra o seu prazer de aprender sobre a vida e sobre o mundo. Cerebro fala ao taxista sobre a tendência do universo para a ordem e a simetria, sobre o impacto de ações isoladas em escalas inimagináveis e sobre a probabilidade de a uma coincidência se seguirem outras.

Paralelamente à vida de Matías, desenrola-se a de Daniel Ortíz, um enfermeiro que perdera a paixão pela sua profissão há muitos anos e cujo casamento apenas se mantinha por preguiça e comodismo. Enterrado na inércia e na passividade sobre as quais alicerçara a sua personalidade, Daniel encontra refúgio no Second Life, uma plataforma virtual que oferece aos seus utilizadores a possibilidade de criarem uma vida completamente diferente da sua, num universo independente povoado por todas as outras pessoas às quais a vida real não bastava. O quotidiano de Daniel é tão monótono e entediante que não faz ideia de que, algures nas suas consultas nas urgências do San Felipe, tenha diagnosticado incorretamente aquilo que se viria a revelar um cancro raro e fatal, o desmoronamento da alegria e dos sonhos de um taxista a quem só resta o desejo de vingança e as conversas num bar.

Enquanto tudo isto se desenrola, os noticiários transmitem os mais recentes assassinatos perpetrados pelo “assassino da felicidade”, cuja identidade se desconhece e que elege como vítimas os idosos vulneráveis de quem já ninguém se lembra.

“Ya sabes, somos polvo de estrellas.”

Rosa Montero volta a construir um romance fundado na revolta e na exasperação desenterradas pelo luto. Por ter vivido uma situação semelhante àquela por que Matías passa nesta narrativa, a autora consegue concretizar um retrato fiel do processo de perda, do desespero face à inexorabilidade da doença e na necessidade irracional de encontrar alguém para culpar, para encarnar a causa de todo o sofrimento. Apesar de ser notório que Rosa tenha encontrado uma zona de conforto na narração do luto, da morte e do cancro, o que torna as suas obras algo repetitivas, é inegável que o faz de um modo credível e cativante.

Este livro orbita em volta de pessoas banais com vidas banais. Afinal, nem todas as histórias que valem a pena ser contadas precisam de ter protagonistas excecionais. Nesta narrativa, nenhuma personagem é perfeita, nem particularmente especial. É uma narrativa sobre vidas medíocres e círculos viciosos, sem que isso impeça que também transmita uma mensagem de esperança, a certeza da possibilidade de, a qualquer momento e por qualquer motivo, se mudar de vida.

Em resumo, Instruções para salvar o mundo é um romance acerca da desesperada necessidade humana de ser feliz e da resiliência inimaginável de que os Homens são dotados quando se trata de sobreviver.

05
Dez21

“Mayflies” – Andrew O’Hagan

Helena

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Escócia, 1986. Jimmy, Tully e os seus amigos preparam-se para viajar até Manchester, onde decorrerá um festival de música com as suas bandas favoritas. À sua volta, o Reino Unido governado pela mão de ferro de Tatcher: despedimentos, greves, privatizações, pobreza, desemprego. Os rapazes, no auge da juventude e cheios de convicções revolucionárias, fazem da viagem a Manchester uma jornada inesquecível que unirá as suas vidas para sempre.

Trinta e um anos depois, em 2017, Jimmy recebe uma chamada inesperada de Tully, que lhe transmite notícias ainda mais inesperadas: um cancro espalhava-se pelo seu organismo. Com o tempo de vida drasticamente reduzido e as perspetivas de uma morte lenta e dolorosa, Tully conta com Jimmy para o ajudar a viver alegremente os últimos meses e a encontrar uma alternativa à horrível degradação que sabia que o seu corpo acabaria por sofrer.

“Think where man’s glory most begins and ends,

And say my glory was I had such friends.” (William Butler Yeats – epígrafe)

“Não julgues um livro pela capa”, costumam dizer. Confesso que julguei este livro pela capa, tendo sido por ela que me apaixonei em primeiro lugar. Depois de ler Mayflies, sei que a alegria pujante da juventude que emana da fotografia que lhe serve de rosto se adequa perfeitamente ao conteúdo do romance.

O Scotsman descreve este livro como “Life-enhancing”, e esta parece-me a palavra mais apropriada para o qualificar. Para além de enaltecer a juventude enquanto período de irreverência e de diversão irrefletida, Mayflies deixa-nos com uma sensação de urgência em relação à vida, com uma maior consciência do tempo que passa sem que se dê por isso e da fragilidade e impotência do ser humano. Com tantas imprevisibilidades incontroláveis “ao virar da esquina”, urge viver o momento em toda a sua intensidade, procurar experiências fora da nossa zona de conforto e lutar por aquilo em que acreditamos. Afinal, “a vida são dois dias e um já passou”.

Apesar de não me ter cativado o suficiente para o considerar, como Colm Tóibin, “Unforgettable”, considero este romance particularmente relevante pelo retrato da juventude numa altura de crise económica e pelo retrato da vida adulta num contexto de doença. Pela forma como sublinha o valor da individualidade, capta o fenómeno do crescimento e apresenta a morte não só como um destino, mas como uma oportunidade, uma luz ao fundo do túnel. 

Moral da história: Carpe Diem.

“being young is a kind of warfare in which the great enemy is experience.”

“The past isn’t really the past, (…) It’s just music, books, and films.”

 

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