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H-orizontes

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16
Nov23

“Just Kids” – Patti Smith

Helena

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O memoir de Patti Smith faz-nos recuar até à Nova Iorque dos anos sessenta, onde a autora encontrou meios para fazer florescer a sua paixão pelas artes. Chegada à “Grande Maçã” ainda muito jovem, Smith debateu-se contra a precariedade das condições de vida dos aspirantes a artistas que, aqui e ali, povoavam as ruas. Foi nos seus primeiros tempos de vida vivida na corda bamba em Nova Iorque que Patti conheceu Robert, que viria a ser o seu inseparável companheiro na luta por reconhecimento artístico e sustento diário.

Acompanhamos, assim, os altos e baixos da vida da artista, as suas relações, as suas viagens e a sua jornada de descoberta da melhor forma de expressar a sua identidade artística, desde que deixou a casa dos pais até à morte de Robert, por complicações associadas à SIDA.

“Sometimes I just wanted to raise my hand and stop. But stop what? Maybe just growing up.”

A minha experiência de leitura deste memoir foi muito influenciada pelo facto de eu não conhecer previamente a sua autora. Isto fez com que, naturalmente, o meu interesse não fosse equivalente ao que me levou a ler, por exemplo, o memoir do Trevor Noah, no início deste ano. Parti para este memoir como quem parte para uma experiência puramente literária e, nesse sentido, não fiquei muito impressionada. A história é linear, mas é povoada por muitas personagens que nem sempre são muito relevantes. Para além disso, deduzo que esta seja uma narrativa muito atrativa para aqueles que se reveem na perseguição do sonho de uma vida boémia ou nos sacrifícios a que estariam dispostos a fazer para vingar no mundo da arte. Como não é o meu caso, poucas coisas me uniam à voz narrativa, a apenas aspetos pontuais captavam realmente a minha atenção. Esse foi o caso dos encontros casuais com pessoas de renome que Smith relata esporadicamente, entre eles uma vez em que se cruzou com Salvador Dalí, outra com Allen Ginsberg e outra com Jim Morrison. Nova Iorque era um formigueiro de artistas nos anos sessenta, e este livro é a prova viva disso.

Interessou-me particularmente que a maior parte da ação se aclimatasse no cerne daquela que ficou conhecida como a “Beat Generation”. Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs são nomes que já me eram familiares, que pertencem a um período que me fascina e que orbitavam os mesmos espaços que Patti Smith, ao mesmo tempo que ela. Esta coincidência inesperada despertou a minha curiosidade em relação à obra de Patti Smith e à forma como se insere neste movimento cultural e literário.

Não esperava que a história de Robert tivesse um fim tão prematuro, nem sabia que também tinha sido uma vítima da epidemia de SIDA que vitimou tantas pessoas nos anos oitenta.  A descrição da vivência de Patti da doença e da morte daquele que a acompanhou ao longo do seu processo de autoconhecimento e conquista da independência foi a minha parte preferida de todo o memoir. É um retrato tocante da vulnerabilidade do ser humano quando confrontado pelas forças que escapam ao seu controlo, e uma ode à amizade que se eterniza no livro que, afinal, foi Robert a pedir-lhe que escrevesse.

Em suma, Just Kids é um livro sobre a persistência, o sacrifício, o amor e a perda, dominado pela certeza de que, no final, é a arte que nos salva.

10
Jul22

“Se isto é um homem” – Primo Levi

Helena

Se-Isto-e-um-Homem (1).jpg

Neste relato autobiográfico, Primo Levi descreve a sua experiência desde que foi levado para a Polónia pelos nazis até ao fim dos onze últimos meses do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Se isto é um homem é o registo dos males do quotidiano dos prisioneiros do campo que, em conjunto, constituem a terrível e implacável máquina de extermínio nazi.

“Ninguém deve sair daqui, pois poderia levar para o mundo, juntamente com a marca gravada na carne, a terrível notícia do que, em Auschwitz, o homem teve coragem de fazer ao homem.”

Esta não é uma história sobre o terror e a barbárie em grande escala que o regime nazi trouxe ao mundo durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim uma história sobre aquilo que resta num homem depois de lhe ser retirado o último vestígio de dignidade. Assim, apesar de não ter sido o relato mais chocante sobre o Holocausto com que já me deparei, foi certamente dos mais exasperantes do ponto de vista humano. Se isto é um homem é a materialização do passar lento das horas sob o sol, a neve e a chuva, da inércia anímica de uma massa outrora humana a que se sugou a noção de civilização e a vontade de viver. Para além disso, levou-me a considerar aspetos da vida nos campos de concentração com que nunca fora confrontada: as chagas nos pés reabertas a cada manhã pelos sapatos rústicos e desirmanados, os pequenos negócios levados a cabo para a obtenção de um ou outro benefício, ou a autêntica Babel em que prisioneiros de toda a Europa tentavam entender e ser entendidos.

O relato de Levi demarca-se das restantes vozes pela ausência de ódio e rancor face aos perpetradores dos atos atrozes de que foi vítima durante onze meses. O autor descreve o quotidiano do campo como se de uma grande máquina se tratasse, um organismo de que os nazis faziam parte por lhes parecer genuinamente correto, num ato de cidadania e não de raiva. Para além disso, Levi reconhece que o sentimento de revolta não existia porque a nenhum prisioneiro restavam forças para conceber ou levar a cabo uma insurreição. Esgotar os prisioneiros e privá-los da sua humanidade era uma garantia para os alemães de que não se rebelariam – não seriam suficientemente fortes nem capazes de o fazer.

O título do livro é simultaneamente a sua melhor síntese: é isto um homem? Pode considerar-se um homem aquele que espanca outro sem motivo, que priva voluntariamente o próximo das condições mais básicas para uma vida digna? Pode considerar-se um homem aquele que rouba a única posse do outro, que vive na imundície, sem emoções nem força de vontade, que conta as horas em função da chegada do próximo pedaço de pão? O próprio Levi deixa-nos a resposta: “As personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou eles mesmo a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem.”

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