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H-orizontes

H-orizontes

08
Fev23

“Written on the Body” – Jeanette Winterson

Helena

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O narrador autodiegético de género indeterminado de Written on the Body leva o leitor a acompanhar o seu percurso enquanto amante fervoroso cuja vida sofre uma mudança radical após conhecer a mulher por quem se apaixona verdadeiramente.

Depois de vários anos a saltitar de relação para relação, vivendo apenas para a sensação eletrizante do princípio de uma paixão, o narrador encontra estabilidade na companhia de Jaqueline, uma trabalhadora do zoo, apesar de ela não o excitar ou interessar particularmente. Tudo parecia correr de acordo com o esperado, até Louise surgir na vida do narrador. Louise, uma mulher que o introduz no seu casamento em ruína e lhe revela novos patamares daquilo a que o narrador chamava amor.

Num registo fluído e poderoso, Jeanette Winterson apresenta-nos a obstinação de um espírito apaixonado, confrontado com a imprevisibilidade da vida e agarrado à grande certeza que a suporta: o ser amado.

“Why is the measure of love loss?”

O narrador desta história afirma repetidamente que são os clichés que arruínam relações, e eu sou da opinião de que também podem arruinar uma boa narrativa. Assim, pela maneira como retrata um sentimento tão explorado ao longo de séculos de literatura, sem cair em lugares-comuns e frases feitas, esta foi uma leitura tão intensa como refrescante.

Conjugando um erotismo flamejante e uma tristeza profunda e palpável, Written on the Body é um livro que vale pela sua carga sentimental, mais do que pelas poucas peripécias que compõem o enredo. Deste modo, apesar de, normalmente, não me sentir inclinada a ler romances caracterizados pela ausência de ação, fui conquistada pela forma como os pensamentos do narrador, vindos em ondas de intensidade, me foram arrastando para as profundezas do seu espírito. O amor, a perda, a saudade, a dor e a culpa são os pilares sentimentais de um ser falível e imperfeito que descobriu com Louise uma nova forma de sentir.

Apreciei particularmente o encaixe das memórias do narrador em relação às suas relações passadas, cada uma com as suas particularidades mais ou menos excêntricas, com as virtudes e os defeitos que individualizam as relações humanas.

Em síntese, Written on the Body é um louvor ao amor e ao fervor da paixão, tanto a nível físico como emocional, maravilhosamente concretizado através de uma escrita simultaneamente poética e visceral, que faz dele uma obra única, tocante e imperdível.

“Written on the body is a secret code only visible in certain lights; the accumulations of a lifetime gather there.”

26
Dez22

“La Carne” – Rosa Montero

Helena

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Soledad Alegre é uma sexagenária que nunca conseguiu viver uma relação amorosa saudável e estável em toda a sua vida. O seu último relacionamento, com um homem casado, acabara recentemente e, como se isso não fosse suficiente, o seu ex-amante fá-la saber que comprou bilhetes para ir com a esposa à ópera ver Tristão e Isolda - a peça que servira de banda sonora à sua relação com Soledad, e a que ela também decidira ir. Determinada a contrariar a posição de superioridade de Mario e as expectativas sociais face às relações de uma mulher da sua idade, Soledad decide reservar a companhia de um prostituto através de um site. Adam, de trinta e dois anos, é o homem que ela escolhe para seu acompanhante – jovem, alto e elegante, causa surpresa entre as pessoas que, na ópera, a reconhecem.  Acabada a peça, Soledad prepara-se para se despedir de Adam, quando o dono de uma loja na rua em que passavam chega à porta ensanguentado, seguido do criminoso que sai a correr depois de o ter esfaqueado. A reação de Adam é instantânea e, em poucos segundos, o assaltante está no chão e o rapaz esmurra-o enraivecidamente, até à chegada da polícia.

Apesar de ser imprudente levar o prostituto à sua própria casa, Soledad convida-o a subir. Ainda que as suas intenções fossem simplesmente tratar as sequelas da luta, a solidão de Soledad e a sensualidade de Adam conduzem-na irresistivelmente para uma noite com o jovem escort. Passado o serão e paga a tarifa, tudo estaria resolvido se a figura de Adam não pairasse ainda sobre os pensamentos de Soledad. A essa noite segue-se outra, e depois outras mais, numa cadeia de inércia e carência que, não tarda, começará a levá-la por vias obscuras.

“De modo que a ella lo único que le servía para olvidarse de la Parca, y del desperdicio de la mezquina vida, era el amor.”

Como Rosa Montero faz questão de pedir aos leitores no apêndice de agradecimentos, vou tentar expressar a minha opinião em relação a este livro sem revelar os traços da narrativa que estragariam a experiência de uma primeira leitura. Assim, posso dizer que este é um livro sobre a solidão, o desespero e a inexorabilidade do envelhecimento.

Na figura de Soledad encontramos uma mulher cuja necessidade de amar sempre se sobrepôs à qualidade e à longevidade das suas relações, uma mulher que se vê enrodilhada na intensidade assoberbante dos seus sentimentos. Como se não bastasse que todos os seus esforços nas suas relações lhe saíssem gorados, Soledad depara-se agora com o drama do tempo que passa sem que se dê conta. Será este beijo o último? Será esta noite a última que passa acompanhada? Será este o seu último amor? Soledad ziguezagueia entre questões a que é impossível responder. As páginas de La carne estão impregnadas da exasperação de uma mulher vencida pela solidão uma e outra vez, e por isso uma e outra vez de regresso a uma relação duvidosa pela sensação fugaz de ainda ser querida.

Apesar de não ter gostado da forma como Rosa Montero se infiltra neste romance enquanto personagem muito semelhante à sua existência real e do nível exaustivo a que leva o emprego de factos curiosos que lhe é característico, adorei este livro. Se estão à procura de uma narrativa que vos apanha de surpresa e vos deixa colados às páginas do início ao fim, La carne é o livro certo para vocês.

“La vida es un pequeño espacio de luz entre dos nostalgias: la de lo que aún no has vivido y la de lo que ya no vas a poder vivir.”

22
Fev22

“O Amor nos Tempos de Cólera” – Gabriel García Márquez

Helena

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Em pleno século XX, na cidade costeira de Cartagena, na Colômbia, o doutor Juvenal Urbino morre na sequência de uma queda de uma árvore ao tentar capturar o seu papagaio, que fugira. Fermina Daza, mulher do médico, vê-se assim a braços com o luto e com a sensação de vazio que se segue à perda daqueles com quem se partilha a vida de todos os dias. Ainda à deriva no mar do luto, é com incredulidade que Fermina se depara, no fim do velório do marido, com a figura lúgubre de Florentino Ariza, que viera de propósito para lhe declarar a persistência dos seus votos juvenis de amor eterno.

É esta irrupção despropositada de emoções que motiva a analepse que nos transporta até ao final do século XIX, à época em que Florentino Ariza e Fermina Daza, jovens, ingénuos e amantes platónicos, trocavam cartas de amor e sonhavam com um futuro em que a sua paixão poderia florescer livremente e em todo o seu esplendor. No entanto, a passagem do tempo e a imposição da realidade não deram margem ao jovem casal para realizar os seus planos: quando puderam voltar a ver-se, depois de uma longa viagem que o pai de Fermina a obrigara a fazer para esquecer Florentino, a rapariga foi tomada pela desilusão e percebeu que três anos de cartas não tinham resultado em nada senão ilusões.

Com o passar dos anos e por influência da família, Fermina Daza acaba por casar com o doutor Juvenal Urbino, um médico conceituado que concluíra os seus estudos no estrangeiro e cujo pai se destacara no combate à epidemia de cólera que assolara o país, algumas décadas atrás. Enquanto Fermina se dedica à sua nova vida, serpenteando entre a sua nova classe, desfrutando de viagens e aprendendo que um casamento, mais do que a felicidade, persegue a estabilidade, Florentino Ariza salta de mulher em mulher, recusando qualquer compromisso que pusesse em causa o propósito mais elevado da sua vida: reconquistar Fermina Daza.

Poderá uma paixão juvenil durar para sempre?

Num romance circular que cobre a vida inteira das suas personagens principais, Gabriel García Márquez retrata com mestria a complexidade do amor nas suas diversas formas: o amor ilusório, o amor casual, o amor instituído por um casamento sem paixão e o amor verdadeiro que não conhece limites. Tratando-se de um enredo mais desenrolado em torno das personagens do que concentrado numa sequência de eventos, O Amor nos Tempos de Cólera constitui um testemunho da força inexorável do amor e uma prova de que a busca da felicidade não tem um meio nem uma idade própria.

Apesar de ter apreciado a maneira como Márquez, sem recorrer a grandes artifícios de linguagem e reviravoltas da ação, capta as metamorfoses na vivência do amor ao longo da vida, não nego que me senti um pouco incomodada com o episódio de pedofilia que constitui a última paixoneta de Florentino Ariza. No entanto, e dado que a literatura deve ser encarada como uma arte alheia aos padrões da vida real, penso que o leitor deve ter a flexibilidade necessária para o observar como a representação de mais uma das faces do amor e, posteriormente, das consequências que dele podem resultar.

Por fim, ao iniciar-se com uma revelação acerca de um recém-falecido e evoluindo através das relações ocultas e sentimentos reprimidos de todo um universo de personagens com vida própria, este é um livro sobre os segredos que, como diria Carlos Ruiz Zafón, todos escondem “no sótão da alma”.

Assim, O Amor nos Tempos de Cólera não é só um romance sobre o amor nas suas variadas formas, mas também uma história sobre o luto, o desejo, as disparidades sociais, a felicidade e o preconceito. Um romance que vem provar-nos que, de facto, numa vida cabem muitas.

“deixou-se levar pela sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as suas mães os dão à luz, mas que a vida os obriga a parirem-se a si mesmos.”

25
Set20

O amor e as relações humanas

Helena

Como John Donne afirmou, "nenhum homem é uma ilha isolada". As relações interpessoais são essenciais para o equilíbrio emocional e para o bem-estar do ser humano. Entre elas, contam-se as relações amorosas, embora, como dita a célebre máxima, "nem tudo sejam rosas".

A paixão pode ser uma fonte de felicidade, de sonhos e um estímulo para a auto-superação. O amor é, frequentemente, a causa da mudança de comportamentos de um indivíduo. Podemos apontar o exemplo de Simão Botelho, personagem principal da novela passional "Amor de Perdição", jovem irreverente e sanguinário que, quando atingido pela seta do Cupido, se tornou um estudante exemplar.

Quando ama, o indivíduo descobre em si próprio capacidades que desconhecia, como a resistência a situações adversas, a criatividade e a persistência. Aprende a pôr-se no lugar do outro, a saber ouvir e a dar o melhor de si, sem que isso custe - dizem que "correr por gosto não cansa".

Paralelamente ao amor contretizado que desperta alegria nos apaixonados, surge o amor impossível, marcado pelo sofrimento. Esta paixão, ainda que seja, por vezes, correspondida, traduzir-se-á numa relação platónica, limitada pela impossibilidade da concretização física e condenada ao fim, mais tarde ou mais cedo. Estas relações foram retratadas ao longo dos tempos em várias e célebres obras: em "Romeu e Julieta", de William Shakespeare, que narra a história de um amor impossibilitado pelas rivalidades entre as famílias dos apaixonados, por exemplo.

Em conclusão, o amor é um sentimento intrínseco à condição humana que, para além de felicidade, pode despertar dor e sofrimento no âmago daqueles que amam.

30
Set19

"Amor de Perdição" - Camilo Castelo Branco

Helena

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Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, é uma tragédia romântica de leitura obrigatória para o 11º ano.

Esta história remete-nos para a realidade dos finais do século XVIII e inícios do século XIX, época em que se desenrola a fatídica história de amor de Simão Botelho e Teresa Albuquerque. Estes dois apaixonados, filhos de famílias rivais viseenses, veem-se encurralados num destino de permanente separação a que parece que a vida os condena. Simão, filho do corregedor de Viseu, estudante em Coimbra, jovem violento e desequilibrado, conheceu Teresa a partir da janela do seu quarto, quando esta tinha apenas quinze anos. Mesmo tendo tentado manter a sua relação longe das atenções dos seus pais, as conversas que mantinham entre janelas foram descobertas, e aí começaram as sucessivas tentativas das famílias inimigas para separar os amantes, que tão persistentemente mantinham a sua fé no seu amor e nos sorrisos que a vida ainda teria para lhes dar. Desde ameaças de casamento entre familiares e de entradas num convento a homicídios, sentenças de enforcamento e dívidas saldadas, as peripécias que separam os enamorados sucedem-se, e as emoções fortes que as personagens transmitem atingem o coração de qualquer leitor.

Este livro é dos mais tristes, se não mesmo o mais triste, que eu li até agora. No início, fiquei de pé atrás ao deparar-me com a linguagem e construção frásica específica deste autor e desta época. Considerei-a difícil e tinha de ler muito devagar e repetidamente para perceber o significado das frases. Felizmente, essa estranheza passou e, por volta do meio do livro (que é bastante pequeno), já estava habituada e consegui ter uma leitura mais fluida. Esta edição (1ª edição na Livros do Brasil) contém prefácios da segunda e quinta edições, escritos pelo autor, que me deixaram muito confusa logo ao princípio, e por isso aconselho a não ler. Comecem pela introdução, esta muito importante para a contextualização da obra e para a consciencialização de que se trata (angustiantemente) de uma história verídica. Devido à linguagem pouco percetível, à história linear ou ao ambiente criado, não me pareceu inicialmente que fosse a tal obra-prima de que falavam, um clássico imperdível que constitui por si só uma obra de arte e é um ícone do romantismo. Na verdade, só no fim da obra percebi a dimensão sentimental e psicológica desta história, que me deixou verdadeiramente abalada, embora já previsse que alguns acontecimentos iam ter lugar. É, de facto, um romance tocante, emocionante, comovente, enfim, como se costuma dizer, de fazer chorar baba e ranho. Instigo, mais uma vez, os leitores a não desistirem deste livro no primeiro contacto com ele. Acreditem, o melhor está no fim.

Uma tragédia linear em enredo e complexa em vocabulário, que teve um impacto em mim que não esperava, de todo.

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