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21
Jun24

"As Vinhas da Ira" - John Steibeck

Helena

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Após ter sido deixado em liberdade condicional por bom comportamento, Tom Joad apanha boleia até junto da sua família, no Oklahoma. Pelo caminho, encontra Casey, um antigo pregador, amigo da família, que o ajuda a chegar junto dos seus. Quando os encontram, eles estão em preparativos para partir para a Califórnia. A “Dust Bowl” instalara-se nos céus dos estados do Sul, uma tempestade de poeira prolongada, causada pela exploração exaustiva dos solos, que dizimara as colheitas e afetara drasticamente a qualidade do ar. Grandes empresas apoderam-se das terras dos agricultores e substituem a mão de obra humana para a sua exploração por tratores. Da Califórnia chegavam panfletos a anunciar a necessidade de trabalhadores, com ilustrações que deixavam adivinhar uma região paradisíaca, repleta de árvores de fruto e de oportunidades para se enriquecer.

Contudo, à medida que percorrem a Rota 66, os Joads vão-se apercebendo de que a vida a oeste não é o prometido pelos panfletos. Caravanas de camiões enchem as estradas na mesma direção que eles, e todos vão em busca de trabalho. Trabalho esse que, segundo os relatos de quem viaja em direção contrária, é escasso e mal pago.

Determinados a descobrir por si próprios e sem lugar para onde voltar, os Joads persistem na sua viagem até ao fim. Pelo caminho, param em acampamentos de migrantes que a polícia insiste em dispersar e em infraestruturas do governo sem qualquer oferta de trabalho na área envolvente, ganham alguns companheiros de viagem e perdem outros, debatem-se com a fome e com a escassez. Chegados à Califórnia, encontram postos de trabalho sazonais que empregam muitos trabalhadores por muito pouco dinheiro, já que a resposta aos anúncios de emprego suprira as necessidades, e que aquilo que um se recusaria a ganhar é aceite por outro mais desesperado e faminto. Em circunstâncias em que parece ser cada um por si, começam a manifestar-se os primeiros movimentos grevistas, logo reprimidos violentamente pela polícia. Os Joads, inocentes, humildes, com duas crianças e uma mulher grávida na família, tentam, como tantos outros na mesma situação que eles, sobreviver.

“Talvez, pensei eu, seja melhor amar todos os homens e todas as mulheres; talvez que o Espírito Santo seja apenas o espírito humano. Talvez que todos os homens tenham em conjunto uma única alma grande de que toda a gente faz parte.”

As Vinhas da Ira destaca-se no panorama da literatura americana pela forma como desafia a mentalidade individualista que uma sociedade fundada no capitalismo liberal como a americana estabeleceu como dogma. O percurso de Tom, a personagem principal desta narrativa e o novo chefe da família deslocada, é marcado pela tomada de consciência de que a conquista de condições de trabalho dignas tem de passar pela união dos trabalhadores famintos e insatisfeitos. As personagens desta narrativa são vítimas do ideal americano da produção fácil de riqueza, que, na realidade, apenas assiste a uma mão-cheia de oportunistas que vivem em paz com a exploração de multidões afundadas na precariedade. Casey, de forma mais dramática, e os Joad, gradual mas inevitavelmente, morrem em defesa do seu direito de viver condignamente.

Steinbeck é célebre pelo simbolismo nas suas obras, em particular em pormenores d’As Vinhas da Ira. No nado morto de Rosa de Sharon, por exemplo, a teoria literária identifica uma referência ao bebé Moisés, lançado ao rio numa cesta, sendo que este bebé levaria a quem o encontrasse a mensagem da miséria em que viviam os trabalhadores chegados do Este. Já eu, vi  na gravidez de Rosa de Sharon a representação daqueles que nascem e crescem num labirinto de precariedade de que não conseguem escapar, geração após geração.

Tal como Ratos e Homens e A Pérola, As Vinhas da Ira é um romance notável pela sua sobriedade. Num registo despido de artifícios, límpido e severo, Steinbeck descreve a viagem de uma família, peripécia atrás de peripécia, desilusão atrás de desilusão, e cada uma delas é mais impactante e mais dura pela crueza do estilo com que são narradas. De facto, como é hábito em Steinbeck, este não é um romance reconfortante e animador, mas sim um lembrete da extensão da mesquinhez e da insensibilidade que a natureza humana pode alcançar. Poucos são os momentos de felicidade que o leitor pode partilhar com as personagens, tal é a sequência de infortúnios de que são alvo. Isto podia fazer com que este romance caísse naquilo a que hoje se chama “pornografia emocional”, livros em que as personagens são vítimas de uma quantidade irrealista de traumas, apenas com o objetivo de provocar sensações desconfortáveis no leitor. O mais perturbador de As Vinhas da Ira é o facto de não ser irrealista nem exagerado, mas sim uma ficção muito próxima da realidade de tantas famílias que deixaram, e ainda deixam, o lugar a que chamam “casa” para tentarem encontrar melhores condições de vida noutro sítio, e que só encontraram mais miséria e o rancor da população local.

Não se deixem, contudo, desencorajar pelo tom pessimista que serve de banda sonora a esta narrativa, já que, no final de contas, por entre as muitas dificuldades que os Joads enfrentam, há raios de esperança, personagens que fazem com que pareça possível que a verdadeira natureza humana seja ser bom e que há sempre quem esteja disposto a ajudar o próximo em momentos de aperto. As Vinhas da Ira ganhou o Prémio Pulitzer em 1940. É revoltante, é chocante, é tocante, é assombroso. Se eu também tivesse estado no júri, também teria votado nele.

 

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