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H-orizontes

H-orizontes

12
Out25

Caeiro Apaixonado, ou a Sublimação da Natureza

Tu não me tiraste a Natureza...

Tu mudaste a Natureza...

Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,

Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,

Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,

Por tu me escolheres para te ter e te amar,

Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente

Sobre todas as coisas.

 

Bendita a doença que atingiu Alberto Caeiro e bendita a magnificação do real que é efeito secundário da paixão. Os nove poemas que compõem O Pastor Amoroso são a destilação da curva passional num espírito que era todo olhos, de súbito tornado olhos e coração.

A paisagem da poesia caeiriana já não é deserta - há alguém para além dos rebanhos de ovelhas e da visita ocasional do menino Jesus. Caeiro já não anda sozinho pelos campos, mas isso não o distrai. Em vez disso, é como se a sua visão se multiplicasse, como se o outro fosse uma extensão de si que o leva a uma Natureza que, agora, o penetra e o habita.

Até os princípios mais basilares da sua filosofia de vida se invertem, chegando o poeta a afirmar “Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar”. O pensamento, doença da vista, transforma-se em órgão de visão interior, instrumento da memória alegre e segura, já que lhe permite ver a sua amada, sem ter de enfrentar a sua presença - de que tem “qualquer medo”. Um "pensamento visível" fá-lo “andar mais depressa”, e isso já não é um impedimento à fruição completa e demorada do mundo: é um motor que o leva pelo mundo em direção ao que lhe confere sentido.

O poeta que, antes, desejava a inconsciência necessária para não conseguir dizer-se contente, declara, agora, “sou feliz”. O pastor amoroso existe por dentro e por fora, existe no mundo, no outro e em si, e sabe-se caleidoscópico face à variedade imprevisível do que o rodeia. Existe um passado que recorda e um futuro por que anseia, uma completude que o extravasa e uma ausência que sente presente. Existem, por momentos, Alberto Caeiro e o seu avesso.

Perde, por fim, o pastor amoroso o seu cajado, tresmalha-se o seu rebanho e não há mais no horizonte do que apenas a paisagem. Amar sem ser amado abate até os espíritos mais puros, e é de novo o sol que consola o poeta bucólico e lhe seca as lágrimas de quem regressa, solitário, aos seus antigos trilhos. “Porque não se é amado como se nasce mas como acontece”, Caeiro resigna-se e volta-se na direção do futuro, que é a mesma do seu passado, a da contemplação dos montes calmos que não possuem o poder de provocar esta cegueira que é o sentir. Não se apagará, contudo, da sua obra este êxtase, este florir de uma luz nova numa paisagem antes objetiva, este agudo aproximar dos contornos da metafísica.

 

O poeta combalido olhou, então, em volta

E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.

08
Out25

O Prazer da Leitura - Marcel Proust

Proust começa por traçar um retrato de dias de férias passados a ler que podem encontrar ressonâncias nas memórias de infância de leitores que se iniciaram nas jornadas pelas páginas dos livros em tenra idade. A urgência em retomar a leitura depois de esta ser interrompida por uma obrigação da rotina ou por uma interação inoportuna é uma marca fundamental desses tempos que, anos volvidos, são definidos pelo memento dessa mesma rotina leitora.

Depois desta partilha, inicia-se a reflexão sobre a leitura propriamente dita - essa atividade que não pode ser dada como equivalente a uma conversa, pois nada tem de dialogal. Esta é, para Proust, a característica fundamental do processo de leitura: o facto de ser realizada no silêncio, e de só nele poder prolongar os seus efeitos no sujeito leitor, sozinho consigo próprio. Aí reside a verdadeira riqueza do contacto com os livros, para aqueles que sabem relacionar-se com eles de uma forma que extravase a mera memorização do seu conteúdo. O bom leitor não lê para saber citar os autores mais célebres, mas sim para refletir acerca daquilo que identifica como mais relevante no pensamento de quem escreveu. Afinal, a leitura não é uma atividade do leitor para com os outros, mas do leitor para consigo mesmo.

Por fim, fundamenta-se a tendência dos autores de grandes obras para a leitura dos clássicos. Mesmo que a obra produzida na contemporaneidade difira deles, é neles que os escritores mergulham para encontrarem o maravilhamento face à língua, à vida e ao mundo. Afinal, os clássicos são artefactos de outras sintaxes, de outros espaços e de outros modos de viver, relíquias do que era a realidade numa vida que não a nossa.

Reflitamos, então.

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