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H-orizontes

H-orizontes

30
Set23

“Finding Me” – Viola Davis

Helena

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Neste memoir, Viola Davis abre as portas da sua vida aos leitores, convidando-os a descobrir o passado horrível que esconde o seu sorriso, o sorriso de uma atriz de renome internacional, vencedora de um Emmy, um Grammy, um Oscar, um BAFTA, um Globo de Ouro… uma mulher bem-sucedida.

Nada poderia preparar o leitor desconhecedor das origens de Viola para a história que ela põe a descoberto em Finding Me. O retrato de uma infância na pobreza extrema, numa casa mergulhada na violência e sem as condições mais básicas de higiene é chocante. A pavimentar a estrada para o sucesso, Viola encontrou o abuso, a discriminação, a depressão, a realidade de viver da representação nos EUA, enquanto mulher negra em condições económicas precárias.

Englobando toda a vida de Viola até à altura em que este memoir foi publicado, Finding Me é um livro sobre resiliência, persistência e sofrimento, sobre as reviravoltas da vida e sobre o que pode acontecer quando a sorte, o trabalho e a esperança se alinham.

“The fear factor was minimized for me. I already knew fear. My dreams were bigger than the fear.”

Apesar de já ter visto a entrevista da Oprah a Viola Davis da Netflix, na qual ela se refere com algum detalhe à sua infância difícil, o relato que a atriz faz em Finding Me dos episódios de precariedade, trauma e abuso que viveu deixou-me sem palavras. A jornada de superação e posterior sucesso de Viola é inspiradora e um exemplo pelo qual eu considero muito importante a publicação deste livro. Para além disso, enquanto alguém que teve a sorte de não se debater com as mesmas circunstâncias terríveis na infância, penso que é uma leitura que contribui grandemente para o aprofundamento do sentido de empatia do leitor, pela facilidade com que nos permite aceder ao lugar do outro.

Finding Me provocou em mim a mesma sensação de incredulidade de quando vou a encontros com escritores ou vejo entrevistas a artistas na Internet: atrás da obra de arte, está um humano, uma pessoa como eu que tem uma história, sonhos por concretizar, batalhas para combater.  Viola, uma menina pobre, discriminada, rotulada, traumatizada, cresceu para se tornar numa mulher de sucesso, uma atriz fenomenal com um passado inimaginável.

É bastante óbvio que o trabalho de base de Viola não é, ao contrário do que acontece, por exemplo, com Trevor Noah, escrever. Em consequência, falta a este memoir a destreza narrativa com que o humorista consegue abrilhantar as histórias do Born a Crime. Ainda assim, Finding Me é um livro muito acessível, sem deixar de ser duro e incomodativo. Este livro teve duas consequências imediatas em mim: fez-me sentir extremamente grata por tudo aquilo que tenho, mesmo nos dias menos bons, que, em comparação com a infância de Viola, são muito bons; e fez-me querer ver todos os filmes e séries em que Viola entra, em maratona.

04
Set23

“Narrative of the Life of Frederick Douglass” – Frederick Douglass

Helena

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Este é o relato das primeiras duas décadas da vida de Frederick Douglass, um escravo do estado americano do Maryland que, depois da sua fuga, contribuiu grandemente para os avanços do anti-esclavagismo na América pré-guerra civil. Em apenas cem páginas, Douglass descreve a sua jornada enquanto escravo na posse de vários donos, e a forma como estes mantinham os escravos num nível de consideração equivalente ao de uma mera propriedade.

Sujeitos a trabalhos pesados, com calor ou frio extremos, mal alimentados ou com pouco tempo para se alimentarem, os escravos navegavam à mercê da vontade dos seus donos, cada um com as suas peculiaridades. Segundo Douglass, os piores donos de escravos eram os mais religiosos e aqueles que nunca tinham estado na posse de escravos. Para além desses, havia, por exemplo, donos temporários que serviam apenas para “quebrar” os escravos: donos de propriedades para onde os escravos mais desobedientes eram enviados para que a sua resistência às ordens dos seus senhores fosse “quebrada”.

Ao constituir um documento destinado a apoiar a causa anti-esclavagista americana, este não é um relato autobiográfico completamente objetivo, o que não impede que seja um relato revoltante da realidade da escravatura americana, há uns escassos dois séculos.

“You have seen how a man was made a slave; you shall see how a slave was made a man.”

A leitura deste livro devia ser obrigatória para a sensibilização de todas as camadas da sociedade em relação ao absurdo do racismo e ao horror das suas consequências. O relato de Douglass é não só acessível, mas também muito rico a nível argumentativo, exemplificativo e sensorial.

Parte do fascínio que este livro desperta nos leitores parte do facto de o seu autor ter aprendido a ler e a escrever sozinho. Apesar de uma das suas donas ter começado a ensinar-lhe as primeiras letras, a exaltação do seu marido levou ao abandono desta prática, e Douglass viu-se a braços com uma vontade de aprender a ler que o consumia. Então, encontrou meios para completar as suas reduzidas aprendizagens e pôde, por meio da leitura, compreender a situação em que se encontrava e de que forma era possível argumentar contra ela. O “Narrative” é uma homenagem à leitura e uma aula acerca da importância que esta tem para a compreensão do mundo.

Na parte deste livro dedicada à sua fuga, Douglass estende a sua crítica às pessoas dos estados a norte que contribuíam para a libertação de escravos através da chamada “estrada subterrânea”, uma rota que ligava o sul ao norte dos Estados Unidos da América e que era usada para facilitar a passagem clandestina de escravos para território mais seguro. Douglass tem o cuidado deliberado de não explicar os meios através dos quais chegou a Nova Iorque, uma vez que isso permitiria que os donos de escravos se acautelassem contra a possibilidade de repetições dessa façanha. A “estrada subterrânea”, pelo contrário, era um meio de fuga conhecido e, por isso, propenso a falhar. Habituada a ver a “estrada” representada como um maravilhoso meio de libertação, esta perspetiva fez-me reconsiderar os factos que tinha como absolutos.

As análises feministas modernas apontam no “Narrative” uma postura incorreta de Douglass em relação à mulher, por se limitar a usá-la como um exemplo físico das consequências da violência esclavagista. No entanto, Douglass era um homem à frente do seu tempo e dedicou a sua vida, para além de à luta contra a escravatura, à luta pela igualdade de género. A edição da Oxford World’s Classics é acompanhada por três manifestações de Douglass a favor dos direitos das mulheres, que demonstram a sua preocupação e dedicação a esta causa.

Finalizada esta leitura, é particularmente chocante relembrar que o Maryland é o estado mais a norte dos territórios sulistas dos Estados Unidos da América. Consequentemente, os relatos de Douglass constituem apenas a ponta do icebergue das atrocidades que foram perpetradas nos estados pró-escravatura que se estendiam até à fronteira sul. O racismo não conhece fronteiras, e a necessidade de lutar contra ele também não. Mesmo em pleno 2023.

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