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H-orizontes

H-orizontes

10
Abr21

“The Wave” – Todd Strasser

Helena

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Ben Ross, professor de História no liceu de Gordon High, é apologista dos novos métodos de ensino, que optam por experiências práticas que envolvam os alunos no processo de aprendizagem, em detrimento de aulas expositivas.

Depois de ter apresentado um vídeo sobre os campos de concentração na época da Segunda Guerra Mundial, Ross depara-se com a incredulidade dos seus alunos face à relutância do povo alemão em reconhecer o massacre que acontecia “mesmo debaixo dos seus narizes”.

“I would never let such a small minority of people rule the majority”, dizem os alunos, quando o professor lhes conta que os membros do partido nazi constituíam apenas 10% da população alemã. Mas será assim tão simples? Ross decide passar da teoria à prática e fazer uma experiência que sujeite os alunos ao fenómeno incompreensível que se espalhou na Alemanha sob o comando de Hitler. Para surpresa do professor, os alunos não só aderem rapidamente ao “The Wave” (o nome atribuído ao seu grupo experimental), mas também começam a manifestar profundas alterações no seu comportamento: motivados por se sentirem parte de um grupo em que são todos iguais, tornam-se mais eficientes, aplicados e disciplinados – e parecem gostar disso. Uma vez começada a experiência, o professor vê-se a braços com um problema, porque não sabe como há de parar a onda que começou e que, num ápice, se alastrou à escola inteira e começa a ganhar contornos verdadeiramente preocupantes.

Este livro, de registo simples e leitura rápida, com um enredo interessante e perturbador, torna-se ainda mais interessante e perturbador quando nos apercebemos de que é o retrato de uma história verídica. A experiência aqui relatada foi realizada na escola secundária de Palo Alto, na Califórnia, em 1969. Saber que um grupo de adolescentes foi tão facilmente manipulado, mesmo depois de ter sido instruído acerca de fenómenos semelhantes, deixa-nos a pensar no que teríamos feito se tivéssemos feito parte da experiência. Seria o nosso pensamento crítico suficientemente forte para resistirmos ao “The Wave”?

Para além de refletir os efeitos do poder e do fanatismo alemão, esta experiência permite que observemos a heterogeneidade dos grupos arrastados por este tipo de vagas alucinantes. Os mais fracos, desprezados, revoltados e infelizes são os primeiros a juntar-se ao movimento, e também aqueles que o defendem com mais afinco. No entanto, o entusiasmo afeta até as camadas mais inteligentes do grupo, assim como aqueles que veem na experiência uma oportunidade para elevar o seu desempenho noutros contextos. Assoberbados pelas vantagens de um regime em que a disciplina assegura a eficácia e por esta obcecados, os membros do The Wave não olham a meios para estender o seu domínio e silenciar os seus opositores, tal como se se tivesse estabelecido uma ditadura.

Os cartões de membro (com a cruz vermelha que determina quem irá supervisionar o cumprimento das regras), a saudação, o lema, a propaganda, os comícios, a censura, a intimidação e o efeito inebriante das manifestações em grupo são pontos chave desta narrativa que aproximam de forma alarmante uma escola secundária americana à Alemanha nazi.

Este livro relembra-nos que, infelizmente, a História não está confinada ao passado e que nos cabe impedi-la de se repetir. Se baixarmos a guarda, podemos ser apanhados pela “onda” sem que nos apercebamos.

08
Abr21

"Os Despojos do Dia" - Kazuo Ishiguro

Helena

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Mr Stevens, o velho mordomo de Darlington Hall, um casarão perto de Oxford, parte numa viagem até ao West Country, a fim de se encontrar com Miss Kenton, a antiga governanta da casa. Ao longo do caminho, o pensamento de Stevens regressa ao passado, aos longos anos que dedicou ao serviço de Lord Darlington e a recordações que ele e Miss Kenton têm em comum. É através destas reflexões que nos são dados a conhecer a lealdade desmedida e o caráter perfecionista do mordomo, obcecado com o conceito de “dignidade”, essencial para se ser um bom profissional no seu ramo.

Firme na sua dedicação ao seu senhor, Stevens parece não se aperceber do como os encontros que Darlington organizava na mansão afetariam o futuro do país – também nós, leitores, só no final do romance descobrimos o seu teor…

Mais um mês, mais um Nobel! Lancei-me ao Os Despojos do Dia sem saber o que esperar. Por isso, não é de estranhar que tenha ficado surpreendida com a história com que me deparei – e com o registo em que está escrita.

Stevens, enquanto narrador na primeira pessoa, mantém um discurso reverente, não apenas com as outras personagens, nos momentos de diálogo, como com o leitor, ao longo da narração. A construção frásica impecável e a formalidade do seu discurso encaixam perfeitamente na personagem que ele é, e tornam o livro mais interessante, do ponto de vista social, mas mais aborrecido, no ponto de vista do entretenimento.

A realidade que este romance retrata é-me muito distante, e nunca tinha lido nenhum livro que partisse desta perspetiva para a construção do enredo. Penso que foi essa distância que me separa das personagens, tanto por razões sociais e espácio-temporais como pela relação formal que Stevens parece estabelecer com o leitor, que levou a que não me tenha sentido muito atraída pelo livro.

Contudo, apesar de longas, reconheço que as reflexões de Stevens são de grande interesse em termos de espelho do seu íntimo e de retrato fidedigno de uma fatia da sociedade britânica do século passado. Aliás, todo o livro é uma crónica de costumes notável, com uma representação realista das classes sociais da época através dos pensamentos, das atitudes e das formas de expressão dos intervenientes da ação.

Aquilo que mais admiro neste livro é a inteligência da sua construção. Ishiguro conjuga o desenrolar da viagem e os avanços e recuos das recordações de Stevens de maneira a desvendar a essência da história muito subtil e gradualmente. Assim, apenas no fim do romance nos apercebemos da função desempenhada por Lord Darlington na política externa inglesa e da profundidade dos laços que unem Miss Kenton e o mordomo, apesar de todas as desavenças anteriormente relatadas.

Apesar de a frieza de Stevens ser quase exasperante, o livro chega ao fim com um toque de ironia e uma última reflexão que vale a pena recordar: “Talvez seja, de facto, altura de começar a encarar toda esta questão do gracejo mais entusiasticamente. No fim de contas, se pensarmos bem, comprazermo-nos dela não é uma coisa tão idiota como pode parecer – sobretudo se no gracejar reside a chave para alcançar o calor humano.”

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