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H-orizontes

H-orizontes

31
Ago20

"Dom Casmurro" - Machado de Assis

Helena

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O título desta obra remete para a alcunha do narrador, Bentinho Santiago, um homem que decide escrever sobre a sua juventude, numa tentativa de se aproximar dela.

O fio condutor da história baseia-se na relação amorosa de Bentinho e Capitu, a sua vizinha desde a infância, e na obstinação da mãe do narrador em mandá-lo para um seminário, como paga de uma promessa a Deus. Apesar das tentativas de contrariar a vontade da progenitora, Bentinho acaba por ingressar no seminário, onde conhece Escobar, que se tornará o seu melhor amigo.

Com o passar do tempo, a paixão entre Bentinho e Capitu permanece inalterada, contrariamente à segurança do primeiro em relação a ela: os seus ciúmes paranoicos ditarão o desenlace do romance e farão com que a dúvida fique a pairar na mente do leitor.

Este livro foi, para mim, uma grande desilusão. Em vez de ser uma leitura divertida e entusiasmante, foi entediante e aborrecida.

A história é muito simples, quase banal, e a ausência de plot twists ou momentos particularmente emocionantes reduz imensamente o seu interesse.

Apesar de ser contemporâneo de Eça de Queiroz e, por isso, partilhar o seu estilo realista, Machado de Assis tem um discurso que não me atraiu. O que mais me incomodou foi a interrupção da história para observações dispensáveis do narrador (“Perdão, mas este capítulo devia ser precedido de outro, em que contasse um incidente, ocorrido poucas semanas antes, dois meses depois da partida de Sancha. Vou escrevê-lo; podia antepô-lo a este, antes de mandar o livro ao prelo, mas custa muito alterar o número das páginas; vai assim mesmo, depois a narração seguirá direita até ao fim.”)

No entanto, todas as críticas que vi relativamente a este livro são muito positivas.

“A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas, ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos.”

“As pessoas valem o que vale a afeição da gente.”

25
Ago20

"Memorial do Convento" - José Saramago

Helena

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O “Memorial do Convento” tem como principais linhas narrativas aquelas que são apresentadas na contracapa do livro: “Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez.”.

Assim, este romance histórico começa por retratar o problema com que a família real portuguesa se deparava no dealbar do século XVIII: as dificuldades na conceção de um herdeiro para a coroa. A preocupação do rei leva-o a aceder à sugestão de um frade franciscano e a prometer a edificação de um convento caso Deus o abençoasse com descendência. Como, depois disso, a rainha consegue engravidar, iniciam-se os preparativos para a construção de um convento em Mafra. Nesta construção virão a trabalhar milhares de homens, entre os quais Baltasar Sete-Sóis, um antigo soldado que tinha perdido a mão esquerda na guerra. Contudo, antes do seu regresso a Mafra, a sua terra natal, Baltasar passa algum tempo em Lisboa, onde conhece o padre Bartolomeu Lourenço, também conhecido por “Voador”, pelos seus projetos de máquinas que permitiriam ao Homem voar, e Blimunda Sete-Luas, que consegue ver as pessoas por dentro.

Conjugando habilmente uma história de amor puro, um retrato da época pormenorizado, uma crítica social mordaz, uma perspetiva popular de um dos períodos mais marcantes da História portuguesa e uma passarola voadora movida a vontades, Saramago constrói um romance magnífico, que é de leitura obrigatória para os alunos do 12º ano de escolaridade.

Confesso que, antes de iniciar esta leitura, a receava. Isto devia-se à consciência de que José Saramago escrevia de uma maneira bastante peculiar, usando vírgulas no lugar de pontos finais e travessões. Contrariamente ao que receava, o registo de Saramago não dificultou a leitura, antes ajudou a torná-la especial. A colocação perfeita das vírgulas permite que as frases fluam pelas páginas, embalando o leitor na sua jornada pelo reinado de D. João V.

Esta época histórica é retratada fiel e detalhadamente pelo autor, desde a vida da família real e da corte às procissões religiosas e às condições de vida do povo. Algumas descrições, de tão ricas em pormenores, são um pouco aborrecidas, como é o caso das procissões e das deslocações da família real.

A inserção de provérbios e expressões populares no discurso proporcionam uma aproximação entre o leitor e o narrador, para além de realçar a sua perspetiva popular ou assinalar uma certa ironia. Esta está, aliás, muito presente no discurso saramaguiano, sublinhando a crítica que a ele está subjacente, que tem como alvos a Inquisição, a Igreja e os autos de fé, as convenções sociais, os protocolos da corte, as touradas e os gastos exorbitantes e irresponsáveis da Coroa.

O contraste das relações entre o rei e a rainha e entre Baltasar e Blimunda realça a diferença entre uma história de amor por conveniência e uma de amor verdadeiro, constituindo um panegírico da simplicidade dos amores genuínos.

O desfecho inesperado e comovente encerra com chave de ouro um romance simultaneamente emocionante e enriquecedor. Um ícone da literatura portuguesa.

“a diferença que há entre tijolo e homem é a diferença que se julga não haver entre quinhentos e quinhentos, quem isto não entender à primeira não merece que lho expliquem segunda.”

“são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita”

“a grande, interminável conversa das mulheres (…), nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta”

“e circulavam burros à nora, de olhos tapados para terem a ilusão de caminhar a direito, não sabendo, como não sabiam os donos, que andando realmente a direito também acabariam por vir parar ao mesmo lugar, porque o mundo é ele uma nora e são os homens que, andando em cima dele, o puxam e fazem andar.”

"Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas."

"(...) todo o homem sabe o que tem, mas não sabe o que isso vale."

16
Ago20

"A verdade sobre o caso Harry Quebert" - Joël Dicker

Helena

a-verdade-sobre-o-caso-harry-quebert-2.jpg

Após o estrondoso sucesso do seu primeiro livro, Marcus Goldman debate-se com a “doença dos escritores”: não consegue ter uma ideia suficientemente boa para o seu próximo romance. Aflito com a sua aparente incapacidade de cumprir as cláusulas do seu contrato com a editora Schmidt & Hanson e de produzir um romance tão bom ou melhor do que o anterior, Goldman entra em contacto com o seu mentor e antigo professor universitário, Harry Quebert. Aceitando a sugestão deste, o jovem escritor parte para Aurora, no New Hampshire, onde fica alojado em casa de Quebert. Durante a sua estadia, para além de tentar, em vão, encontrar a inspiração, Goldman descobre a passada relação de Harry com uma jovem de que nunca lhe falara: Nola Kellergan.

Algum tempo depois de regressar a Nova Iorque, Marcus depara-se com a notícia que abalará a América: o cadáver de Nola Kellergan, uma jovem de quinze anos que tinha desaparecido em Aurora, no dia 30 de agosto de 1975, foi encontrado, enterrado no jardim de Harry Quebert. Chocado com a notícia e decidido a não permitir que Harry seja condenado por um crime que não cometeu, Marcus regressa a Aurora e dá início a uma investigação que o levará a despertar os fantasmas do passado e a revelações surpreendentes e bizarras sobre a população aparentemente pacata da cidade.

Quem matou Nola Kellergan?

Este livro parece despoletar reações antagónicas junto dos leitores: há quem o adore e quem o deteste. Sinto-me mais inclinada a incluir-me no primeiro grupo, ainda que não de uma forma radical.

“A verdade sobre o caso Harry Quebert” conjuga o mistério e suspense de um policial com o drama de um amor impossível e censurado por todos.

O romance está muito bem construído: um crime horroroso rompe a aparência calma de uma povoação do New Hampshire e todas as evidências apontam para um suspeito. No entanto, à medida que os interrogatórios se sucedem, o leitor vê-se obrigado a repensar quem terá, de facto, raptado e assassinado Nola. Só nas últimas cem páginas, repletas de plot twists e revelações, se compreenderão por completo os acontecimentos daquele fim de tarde de 30 de agosto de 1975.

O facto de ser narrado por um escritor permite-nos penetrar no mundo das editoras e dos interesses materialistas que se esconde por trás dos livros que compramos. Para além disso, aproxima-nos do processo de escrita, incluindo conselhos que Harry dava a Marcus (“O último capítulo de um livro, Marcus, deve ser sempre o mais extraordinário.”) e retratando o pânico da “página em branco” que a certa altura atinge os escritores.

Apesar de este ser um daqueles livros que mantêm os leitores colados às páginas do início ao fim, o que é favorecido pela utilização de linguagem corrente e desprovida de artifícios, existem alguns pontos negativos a apontar.

A relação entre Harry Quebert, de 34 anos, e Nola, de 15, é bastante forçada. Apesar de constituir o motivo da impossibilidade da concretização do amor entre a jovem e o escritor, a diferença etária pode ser chocante ou até repugnante para alguns leitores, principalmente por parecer que Quebert se aproveita da adoração cega de Nola.

Além do mais, tanto Marcus como Harry se revelam personagens bastante egocêntricas, fazendo com que os acontecimentos girem à volta da construção dos seus romances.

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Ainda assim, esta leitura foi uma experiência agradável e viciante, marcada por descobertas impactantes do início ao fim e por uma imensa vontade de deslindar o mistério do desaparecimento de Nola Kellergan.

Este livro foi adaptado pela HBO a uma série homónima que se mantém bastante fiel ao original, embora considere que o elenco poderia ser melhor. (Trailer)

“A vida é uma longa queda, Marcus. O mais importante é saber cair.”

10
Ago20

"Quem matou Palomino Molero?" – Mario Vargas Llosa

Helena

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A ação de Quem matou Palomino Molero?, da autoria do Prémio Nobel da Literatura de 2010, Mario Vargas Llosa, desenrola-se no Peru, na década de 1950.

Palomino Molero, um jovem índio que se tinha voluntariado para o trabalho de aviador na Base de Talara, é encontrado enforcado e espetado numa alfarrobeira, com marcas de golpes de uma violência cruel por todo o corpo. A história acompanha o tenente Silva e o guarda Lituma na averiguação do culpado e das causas do brutal assassinato.

Para mim, este livro foi uma desilusão. As expectativas que são geradas na primeira página, com a descrição do cadáver, não são correspondidas ao longo da narrativa.

Estilisticamente, num registo tipicamente sul-americano, escasseiam os recursos expressivos e abundam o calão e as expressões características do discurso oral.

Como a ação se passa num meio pequeno, o número de personagens é reduzido, e penso que lhes falta caráter. Há, aliás, personagens com características que não considero bem atribuídas. Por exemplo, o guarda Lituma revela-se bastante sentimental, ingénuo e quase medroso, o que não me parece adequado à profissão que desempenha.

O principal ponto negativo desta história é a falta de uma reviravolta inesperada. A intriga é simples e pouco profunda, pelo que a considero pouco interessante.

O único aspeto positivo deste livro é permitir uma reflexão acerca do racismo e da necessidade de respeitar as populações indígenas, pelo facto de sublinhar o contraste entre as condições de vida dos índios e dos brancos residentes em Piura e Talara e de retratar a maneira como eram vistos uns pelos outros.

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