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H-orizontes

H-orizontes

30
Mai20

"Sermão de Santo António" - Padre António Vieira

Helena

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O Sermão de Santo António, de Padre António Vieira, representa alegoricamente os vícios e pecados dos Homens.

Padre António Vieira dá início ao sermão apresentando o conceito predicável: “Vós sois o sal da terra”. Será a partir dele que se edificará o sermão, dividido em louvores aos peixes em geral e em particular, e repreensões em geral e em particular. Através dos louvores, o pregador exalta as virtudes dos peixes (obediência e atenção), opondo-as às características reprováveis e animalescas dos homens (brutalidade e irracionalidade). Com as repreensões, Vieira aponta nos peixes, alegórica e metaforicamente, os pecados dos Homens (arrogância, vaidade, ambição, orgulho, parasitismo, oportunismo e hipocrisia). O pregador remata o sermão com um apelo aos ouvintes para que respeitem, venerem e louvem a Deus.

As críticas presentes no Sermão de Santo António, escrito no século XVII, são incrivelmente atuais. Também nos nossos dias encontramos exemplos de “roncadores”, “voadores”, “pegadores” e “polvos”, nesta sociedade que “não se deixa salgar”. O discurso de Padre António Vieira é muito persuasivo, claro e suscita à reflexão, através das suas interpelações do auditório e das interrogações retóricas. A alegoria presente em todo o Sermão está extremamente bem conseguida, a relação que o pregador estabelece entre os peixes e os homens é perfeita e os objetivos de “docere”, “movere” e “delectare” são atingidos por inteiro.

O Sermão é, sem dúvida, uma obra que devia ser estudada por todos para uma melhor compreensão da sociedade em que vivemos e para a adoção de uma posição crítica em relação ao comportamento humano.

16
Mai20

"Tempo de Fogo" - Amadeu Ferreira

Helena

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Assim como todos os caminhos vão dar a Roma, também o enredo deste livro tem vários pontos de partida: os primeiros capítulos apresentam-nos as personagens cujas histórias acabarão por se cruzar com o avançar da narrativa. Assim, através de planos paralelos, ficamos a conhecer Frei António da Santíssima Trindade, António Gonçalves (mais conhecido por António Tolês, uma vez que a sua avó judia tinha sido queimada em Toledo), Henrique Peres, o seu cunhado Manuel Miguel (marido de Baltasara, cuja filha endoidecera após a atroz morte do marido), Ludovina, Diego de Leão e José Peres (pai de Henrique Peres).

Frei António caminha em direção a Miranda do Douro, onde se reunirá com o bispo, e, durante o seu percurso, reflete em relação ao presente e ao seu passado. António Tolês dirige-se à feira do Naso, a fim de vender renovos. Henrique Peres e Manuel Miguel fazem parte do grupo de dezoito sapateiros que caminham para a feira de Mogadouro. Mais tarde, Henrique partirá para Fermoselhe com o objetivo de se reunir com a mulher e a filha, e Manuel dirigir-se-á a Vilarinho dos Galegos, onde se reunirá com o seu compadre. Inteiramo-nos do suicídio de Ludovina, uma das paixões do passado de Frei António, que se lançou da muralha depois de descobrir que estava grávida de um sendinês, e da morte de José Peres, após a partida do seu filho para Espanha.

Neste ponto, parece-nos improvável que todas estas personagens vão acabar por se juntar na teia do destino. Mas a verdade é que, de uma maneira ou de outra, todas elas fizeram parte da vida umas das outras, o que vamos descobrindo à medida que avançamos no romance, através de analepses, ou virão a fazê-lo, nas nefastas circunstâncias da travessia de uma leva da Inquisição. Não é por acaso que o título do romance em português é “Tempo de Fogo”, pois é sob a permanente ameaça das fogueiras da Inquisição do século XVII que as personagens deste livro levam a sua vida nas Terras de Miranda.

“Ainda bem que já não ardem as fogueiras. Ou será que continuam à espera de quem as volte a acender?”

Apesar de todas as críticas positivas que me tinham sido transmitidas em relação a este livro, demorei a ficar interessada por ele. Não estava à espera de uma escrita deste género, a e inserção de reflexões pelo meio dos relatos da narração deixou-me algo aborrecida.

Ainda assim, o interesse começou a crescer a partir da altura em que me apercebi de que todas as personagens (tantas e com tantas relações entre elas, que é fácil perder o fio da meada se não se tomar notas) estavam relacionadas umas com as outras.

O facto de a ação se desenrolar nas Terras de Miranda fez com que o cenário me fosse familiar e me sentisse como que “em casa” enquanto lia.

Tratando-se de um romance histórico, mostra-nos um pouco da realidade da época, em especial os rituais da Inquisição, cujos relatos impressionam e perturbam o leitor. Essas passagens em que se retrata a realidade das perseguições e o apêndice final (a reflexão de Frei António em relação ao poder das palavras) foram as minhas partes preferidas.

Por ter sido editado tanto em português como em mirandês, com o título “La Bouba de la Tenerie”, este romance é ainda mais especial.

“muito dificilmente escolhemos um caminho que outros não tenham já escolhido”

09
Mai20

"O Crime do Padre Amaro" - Eça de Queiroz

Helena

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Amaro Vieira, um jovem clérigo recentemente saído do seminário, assume o cargo de pároco em Leiria. Criado pela marquesa de Alegros, e por sua vontade introduzido na vida religiosa, Amaro é acompanhado desde cedo por uma vocação frágil e por emoções fortes e irreprimíveis.

Quando consegue uma posição na paróquia de Leiria, após uma temporada na austera Gralheira, o padre fica alojado em casa da S. Joaneira, por recomendação do cónego Dias. Amaro é muito bem recebido e rapidamente se habitua à sua nova rotina, assim como se inteira da vida social de Leiria, maioritariamente graças às reuniões noturnas em casa da S. Joaneira.

Tudo teria corrido bem, não tivesse a dona da casa uma filha, a Ameliazinha, uma bela rapariga na flor da idade que capta a atenção de Amaro e conquista o seu coração. Apesar de se encontrar comprometida com João Eduardo, também em Amélia desabrocha uma forte afeição pelo pároco. Quando o noivo de Ameliazinha publica um comunicado repleto de críticas mordazes ao clero e ataca o padre Amaro, o seu noivado é desfeito e ele vê-se obrigado a abandonar a cidade. Apesar dos seus deveres enquanto clérigo, Amaro não resiste à paixão por Amélia e engendra um estratagema que lhe permitirá encontrar-se com ela sem o conhecimento da população leiriense. Mas conseguirá o pároco manter-se livre de ser castigado pelos seus pecados?

"Somos todos passageiros forçados da barca de Caronte."

Apesar de encerrar uma forte crítica às mentalidades da época, à corrupção e ao pecado no seio da Igreja e à hipocrisia na política e nas relações públicas, esta obra baseia-se simplesmente num amor proibido entre um pároco e uma rapariga do povo, marcado pelas contrariedades que lhes são impostas pelos dogmas religiosos e pela sociedade. Achei o enredo e respetivo desfecho bastante previsíveis e a crueza dos relatos de Eça contribuiu para que não achasse esta história particularmente cativante.

No entanto, admiro a capacidade do autor de transferir para as páginas a essência da sociedade do seu tempo e de retratar, com muita ironia, os seus muitos aspetos reprováveis. Enquanto que, n’ Os Maias, o foco da crítica é a classe burguesa e aristocrata, este romance ataca os meandros do clero, a fraqueza intelectual dos estratos populares e a sua falta de espírito crítico.

Somos, mais uma vez, confrontados com o papel fulcral da educação na formação do caráter de um indivíduo, tanto na figura de Amaro, que cresceu rodeado de mulheres, como na de Amélia, habituada desde cedo à presença de membros do clero na sua residência.

Em resumo, apesar de não me ter fascinado, gostei deste livro, uma obra ótima para aprofundar o conhecimento acerca da sociedade oitocentista (o que é uma mais-valia para os estudantes de História do 11º ano) e espicaçar o espírito crítico do leitor.

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